TEMA IV
A REGULAÇÃO DOS SISTEMAS EDUCATIVOS
A REGULAÇÃO DOS SISTEMAS EDUCATIVOS
A
construção de um espaço europeu de educação e o caso português.
A
construção da “Europa” como entidade é um objetivo dos esforços levados a cabo
para a construção de uma política de educação europeia, nas políticas
educativas dos Estados Membros.
Os
sistemas educativos são os principais meios a que as sociedades recorrem para
procurar definir, replicar e assegurar a sua singularidade nacional, para
reforçar as economias nacionais e responder aos problemas sociais e influenciar
a distribuição das oportunidades individuais. Neste âmbito consideram-se o
contexto externo e o interno. O contexto externo compreende mudanças
político-económicas, na construção dos sistemas educativos, nos mandatos,
capacidade e nos modos como são avaliados. O contexto interno, está mais ligado
ao mecanismo de “soft governance” através da qual o espaço europeu de educação
se vai moldando, identificando mudanças na utilização e natureza de mecanismos,
como os indicadores e os níveis de referência, na construção de um Espaço
Europeu de Educação. Centra-se não
nas possibilidades de inferência ou observação desta construção, a partir dos
seus efeitos nos sistemas educativos dos Estados Membros mas nas consequências
que ela traz para a conceção e natureza de uma ‘Europa’ que informa e enforma o referido EEE
(Roger Dale,2008).
Para
que esta construção seja uma realidade, fazem-se sucessivos apelos, com o
objetivo que a Educação contribua para a agenda da competitividade. Os alertas
têm sido uma constante, referindo que a capacidade exigida para satisfazer esta
prioridade não pode ser conseguida só a nível nacional ou pelo sector público
mas a nível Europeu e com o contributo do sector privado.
No
Tratado de Educação está bem expresso que a educação obrigatória é de
responsabilidade nacional e sujeita à subsidiariedade.
À
Comunidade é exigido que respeite a responsabilidade dos Estados Membros pelo
conteúdo do ensino, organização dos sistemas educativos e sua diversidade
cultural e linguística. No entanto reconhece-se que estes sistemas carecem não
de reforma, mas de transformação, tanto quanto aos fins como quanto aos meios.
Uma
das principais consequências é o facto de terem sido considerados deficitários,
em termos do contributo que podem dar às agendas da competitividade e da
Economia do Conhecimento/Aprendizagem ao Longo da Vida.
A
UE alerta para o facto de estas dificuldades não poderem ser superadas com base
nos sistemas educativos que existem.
Prevalecem
os apelos a uma educação ‘personalizada’, ou feita à medida, que permita
responder às exigências.
Além
disso, uma das ‘principais orientações políticas’ da agenda de Lisboa pós-2005
aconselha a “definição de novas prioridades para as políticas educativas
nacionais, isto é, transformar as escolas em centros abertos de aprendizagem,
apoiar (todos) os grupos populacionais, a usar a Internet e multimédia”
(Rodrigues, 2005: 6).
Em
Portugal, o Ministério da Educação foi quase sempre
considerado como um instrumento ao serviço da concretização das medidas
políticas, já que a missão principal que os sucessivos governos lhe confiavam
era a de dar à Educação o desenvolvimento reclamado pelo progresso e pelas
instituições políticas do País.
Porém, a partir dos anos 50-60,
Portugal procurou acompanhar o enorme crescimento e desenvolvimento da Educação
que se registou noutros países da Europa.
O governo de então entendia
que a democracia se cumpria pela via da Educação e, em consequência, a
democratização do ensino instituía-se como um imperativo político que, no
chamado Estado Providência, se cumpria, dando uma resposta coletiva com a
oferta de um ensino gratuito ao nível da escolaridade básica.
Para fazer face à extensão
do volume e complexidade das tarefas que o enorme crescimento da Educação
registava, os serviços centrais consolidam a sua estrutura administrativa,
aperfeiçoando o modelo de gestão fortemente centralizada.
O Ministério da Educação
transforma-se numa poderosa máquina que tudo gere e administra, e a
administração central é vista pelo poder político como uma organização sobre a
qual é preciso agir para que se cumpram os objetivos políticos de modernização
do País e de democratização do ensino.
Educados para a passividade e no espírito de aceitação e de
obediência, os corpos sociais mais interessados na educação - pais e
professores - não participaram na decisão política. Tem uma participação
funcional que se faz pela via formal-legal, no respeito pela ordem hierárquica
para pedir ou requerer o deferimento de necessidades ou pretensões ou para
responder, se questionados, a certas questões julgadas de interesse pela
tutela. Este quadro é destruído pela mobilização social, ocorrida no contexto
revolucionário de 1974, seguindo-se uma fase de participação intensa.
A auto-organização, no
sentido de desorganização, de crise de valores, de normas, de coletividades ou
de papéis (Touraine, 1993: 185) significavam mais uma reação contra as
estruturas de dominação na escola que representavam o regime deposto, do que
uma contestação por motivos ideológicos das medidas tomadas pelo Ministério da
Educação.
Professores e alunos
assumem o papel de atores principais, num sistema fechado. A escola
solidariza-se com as tomadas de posição de trabalhadores e aprova moções de
apoio e solidariedade nas suas assembleias, mas permanece uma comunidade
escolar corporativamente fechada à participação de atores sociais, mesmo dos
mais próximos, isto é, os pais e encarregados de educação.
A organização do
sistema é aceite como uma fatalidade. A contestação dirige-se à atuação e
orientações políticas do ME, sem a exigência de uma participação institucional
nas macro decisões.
A necessidade de
instituir as regras do jogo democrático marca o começo de uma outra fase de
participação. A formulação do direito à participação surge, deste modo, pela
via normativa e legal, em resultado de uma opção política. Não se fundamenta
numa conquista ou aspiração social explícita e ainda menos numa prática que
exija a sua institucionalização, mas é resultante de uma regulação por
antecipação (feedforward), num terreno vazio de tradição.
A regra geral, no
processo de distribuição de poderes, é a das competências partilhadas,
conservando o Estado a responsabilidade do serviço público. A descentralização
emerge no contexto cultural da Administração da Educação portuguesa, num vazio
de tradição participativa da sociedade civil e dos cidadãos na administração do
Estado.
A descentralização só reaparece nos diplomas posteriores à
revolução de 25 de Abril de 1974, como a opção política contraposta à tendência
pesada de centralização que entretanto se consolidara na
administração pública portuguesa.
A
condição de agentes que sempre definiram a relação: administração/ administrados
altera-se pelo reconhecimento do papel de sujeitos e pelo direito de
participação dos principais intervenientes na Educação.
A mudança inicia-se com a Reforma do Sistema Educativo em 1989,
pelo XI Governo Constitucional.
O novo quadro de relações da
Administração com a sociedade configura um modelo aberto de funcionamento,
abandonando uma visão de sistema fechado, que funcionava sobre si próprio, para
administrar um sistema que se abre à participação social, Mas estas alterações
não podem, ser vistas como uma evolução substancial. A Administração manteve
invariante, os traços fundamentais e determinantes do seu funcionamento e
estilo (hierarquia, sentido descendente das normas, comunicação escrita,
impessoalidade).
Ao nível das macro decisões,
a Administração Central abre o leque de fatores que intervêm nas decisões,
ouvindo, de forma sistemática, parceiros e órgãos consultivos onde estão
representados os interesses sociais; ao nível das meso e micro decisões que
regem o funcionamento normal do sistema, mantém invariante o padrão de
processos e de procedimentos, próprios dos modelos burocráticos.
Em nome da estabilidade do sistema
e para assegurar a eficiência dos serviços, não são descentralizadas matérias
fundamentais, cuja intenção de transferência está expressa em diplomas de igual
força legal.
Todos estes aspetos
constituem formas de perpetuar uma presença forte da Administração, em prejuízo
de um papel regulador e de coordenação.
São estas lógicas e
contra-lógicas que geraram, nos processos de descentralização e de
desconcentração da Administração do sistema escolar, a contradição fundamental
deste processo de reforma que se traduz na existência, no plano conceptual, de
uma lógica de descentralização e numa praxeologia de cariz centralizador, no
plano do funcionamento.
O ME para se adaptar ao gigantesco crescimento das tarefas
desconcentrou-se, em 1979, territorialmente para os distritos (DRE).
Só a partir de 1986, no triplo contexto de reforma do estado, da
administração pública e da educação, para responder aos desafios políticos e
sociais de desenvolvimento e de integração europeia se colocou a questão do
papel da Administração. Era necessário modernizar para acompanhar o
desenvolvimento europeu.
O objetivo de modernização para acompanhar o desenvolvimento
europeu e para a afirmação individual do país perante a comunidade
internacional é retomado na agenda política com o XI Governo Constitucional
(1987-1991) que faz da Educação uma prioridade nacional. No campo da Educação o
discurso reformista tradicional deu lugar a um discurso jurídico normativo e
político, que a par das novas correntes do pensamento pedagógico e educativo,
acompanha o pensamento reformista da administração e as tendências de
descentralização registadas na Europa. A nova modernização ganha uma dupla
dimensão no contexto do pensamento europeu: a racionalidade e a subjetividade
(Touraine, 1994).
A
declaração de Lisboa de 2000 foi determinante e gerou mudanças fundamentais na
natureza e âmbito do envolvimento da UE na política educativa. Envolve um novo
conceito de subsidiariedade na educação e ao mesmo tempo, conduz à criação de
um novo EEE baseado numa divisão funcional e de escala do trabalho da
governação educacional que coexistia com a subsidiariedade sem contudo a
ultrapassar. Quanto ao primeiro, as conclusões de Lisboa não só pormenorizavam,
uma série de Objetivos Futuros Concretos para os Sistemas Educativos, como
também especificavam que apenas poderiam ser atingidos a nível da Comunidade e
não a nível de cada Estado Membro. No que respeita ao segundo, a Europa é
concebida como o espaço de governação educacional que neste domínio cria as
condições e afirma a necessidade de uma divisão funcional e de escala do
trabalho de governação educacional. Um modo de não interferir nas decisões
internas dos EM, tem sido evitar a mínima suspeita de ameaça às competências
nacionais, centrando-se em áreas exteriores ao setor obrigatório, como a
aprendizagem ao longo da vida e atividades que não sejam intrínsecas ou não
constituam «direito de propriedade de qualquer sistema educativo. O conceito de
competências, que por serem transversais ao currículo, considera-se que não
oferece ameaça à autoridade nacional, uma vez que são passiveis de se adaptar a
qualquer política educativa. Esta abordagem condiz com o desejo de mudar os
sistemas educativos e recorrer à política social produtiva como principal meio
de resolução das contradições de Lisboa que não atribuem à educação o estatuto
de área política «teleológica» ou seja uma área em si mesma, mas antes o de uma
componente da política social, do mercado de trabalho e da política económica
geral (Gornitzka, 2005:17).
Para
a Comunidade, a aprendizagem ao longo da vida responde tanto ao
político-económico como às condições específicas da EU, em que se alicerça o
EEE.
Como afirma Lourenço
(2000: 12 […] mudámos de mundo e de contextos específicos, sob o ponto de
vista cultural e de organização política da administração da Educação. Mudámos,
literalmente falando, e sem quase nos darmos conta disso, de mundo. Mudámos
porque o mundo conheceu uma metamorfose, sem precedentes, não apenas exterior,
mas de fundo […] Deixámos de ser, como durante séculos, uma pluralidade de
nações ou povos […] sem surpresa, esta avalassadora dissolução das entidades
clássicas a que chamávamos nações compensa-se com a reivindicação de
microidentidades […] e ninguém sabe se são apenas vestígios de arcaísmo tribal
de nova espécie, se anúncio de um mundo ao mesmo tempo globalizante e
intimamente fragmentado… Portugal nunca sofreu metamorfose comparável à dos
últimos 20 anos. Não foi apenas uma mudança exterior… mas uma alteração ontológica
se isso se aplica a um povo. Estamos
tão dentro dela que não a podemos pensar” (Lourenço, 2000:12-13).
Bibliografia:
Dale,
Roger, Construir a Europa através de um espaço europeu de educação, Revista
Lusófona de Educação,2008,II
Ramos, Conceição C., Regulação dos Sistemas
Educativos, O Caso Português
Barroso, João, O Estado, a Educação e a Regulação das Políticas
Públicas
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