quinta-feira, 7 de junho de 2012



TEMA IV
A REGULAÇÃO DOS SISTEMAS EDUCATIVOS

A construção de um espaço europeu de educação e o caso português.

A construção da “Europa” como entidade é um objetivo dos esforços levados a cabo para a construção de uma política de educação europeia, nas políticas educativas dos Estados Membros.
Os sistemas educativos são os principais meios a que as sociedades recorrem para procurar definir, replicar e assegurar a sua singularidade nacional, para reforçar as economias nacionais e responder aos problemas sociais e influenciar a distribuição das oportunidades individuais. Neste âmbito consideram-se o contexto externo e o interno. O contexto externo compreende mudanças político-económicas, na construção dos sistemas educativos, nos mandatos, capacidade e nos modos como são avaliados. O contexto interno, está mais ligado ao mecanismo de “soft governance” através da qual o espaço europeu de educação se vai moldando, identificando mudanças na utilização e natureza de mecanismos, como os indicadores e os níveis de referência, na construção de um Espaço Europeu de Educação. Centra-se não nas possibilidades de inferência ou observação desta construção, a partir dos seus efeitos nos sistemas educativos dos Estados Membros mas nas consequências que ela traz para a conceção e natureza de uma ‘Europa’ que informa e enforma o referido EEE (Roger Dale,2008).
Para que esta construção seja uma realidade, fazem-se sucessivos apelos, com o objetivo que a Educação contribua para a agenda da competitividade. Os alertas têm sido uma constante, referindo que a capacidade exigida para satisfazer esta prioridade não pode ser conseguida só a nível nacional ou pelo sector público mas a nível Europeu e com o contributo do sector privado.
No Tratado de Educação está bem expresso que a educação obrigatória é de responsabilidade nacional e sujeita à subsidiariedade.
À Comunidade é exigido que respeite a responsabilidade dos Estados Membros pelo conteúdo do ensino, organização dos sistemas educativos e sua diversidade cultural e linguística. No entanto reconhece-se que estes sistemas carecem não de reforma, mas de transformação, tanto quanto aos fins como quanto aos meios.
Uma das principais consequências é o facto de terem sido considerados deficitários, em termos do contributo que podem dar às agendas da competitividade e da Economia do Conhecimento/Aprendizagem ao Longo da Vida.
A UE alerta para o facto de estas dificuldades não poderem ser superadas com base nos sistemas educativos que existem.
Prevalecem os apelos a uma educação ‘personalizada’, ou feita à medida, que permita responder às exigências.
Além disso, uma das ‘principais orientações políticas’ da agenda de Lisboa pós-2005 aconselha a “definição de novas prioridades para as políticas educativas nacionais, isto é, transformar as escolas em centros abertos de aprendizagem, apoiar (todos) os grupos populacionais, a usar a Internet e multimédia” (Rodrigues, 2005: 6).
Em Portugal, o Ministério da Educação foi quase sempre considerado como um instrumento ao serviço da concretização das medidas políticas, já que a missão principal que os sucessivos governos lhe confiavam era a de dar à Educação o desenvolvimento reclamado pelo progresso e pelas instituições políticas do País.
Porém, a partir dos anos 50-60, Portugal procurou acompanhar o enorme crescimento e desenvolvimento da Educação que se registou noutros países da Europa.
O governo de então entendia que a democracia se cumpria pela via da Educação e, em consequência, a democratização do ensino instituía-se como um imperativo político que, no chamado Estado Providência, se cumpria, dando uma resposta coletiva com a oferta de um ensino gratuito ao nível da escolaridade básica.
Para fazer face à extensão do volume e complexidade das tarefas que o enorme crescimento da Educação registava, os serviços centrais consolidam a sua estrutura administrativa, aperfeiçoando o modelo de gestão fortemente centralizada.
O Ministério da Educação transforma-se numa poderosa máquina que tudo gere e administra, e a administração central é vista pelo poder político como uma organização sobre a qual é preciso agir para que se cumpram os objetivos políticos de modernização do País e de democratização do ensino.
Educados para a passividade e no espírito de aceitação e de obediência, os corpos sociais mais interessados na educação - pais e professores - não participaram na decisão política. Tem uma participação funcional que se faz pela via formal-legal, no respeito pela ordem hierárquica para pedir ou requerer o deferimento de necessidades ou pretensões ou para responder, se questionados, a certas questões julgadas de interesse pela tutela. Este quadro é destruído pela mobilização social, ocorrida no contexto revolucionário de 1974, seguindo-se uma fase de participação intensa.
A auto-organização, no sentido de desorganização, de crise de valores, de normas, de coletividades ou de papéis (Touraine, 1993: 185) significavam mais uma reação contra as estruturas de dominação na escola que representavam o regime deposto, do que uma contestação por motivos ideológicos das medidas tomadas pelo Ministério da Educação.
Professores e alunos assumem o papel de atores principais, num sistema fechado. A escola solidariza-se com as tomadas de posição de trabalhadores e aprova moções de apoio e solidariedade nas suas assembleias, mas permanece uma comunidade escolar corporativamente fechada à participação de atores sociais, mesmo dos mais próximos, isto é, os pais e encarregados de educação.
A organização do sistema é aceite como uma fatalidade. A contestação dirige-se à atuação e orientações políticas do ME, sem a exigência de uma participação institucional nas macro decisões.
A necessidade de instituir as regras do jogo democrático marca o começo de uma outra fase de participação. A formulação do direito à participação surge, deste modo, pela via normativa e legal, em resultado de uma opção política. Não se fundamenta numa conquista ou aspiração social explícita e ainda menos numa prática que exija a sua institucionalização, mas é resultante de uma regulação por antecipação (feedforward), num terreno vazio de tradição.
A regra geral, no processo de distribuição de poderes, é a das competências partilhadas, conservando o Estado a responsabilidade do serviço público. A descentralização emerge no contexto cultural da Administração da Educação portuguesa, num vazio de tradição participativa da sociedade civil e dos cidadãos na administração do Estado.
A descentralização só reaparece nos diplomas posteriores à revolução de 25 de Abril de 1974, como a opção política contraposta à tendência pesada de centralização que entretanto se consolidara na administração pública portuguesa.
A condição de agentes que sempre definiram a relação: administração/ administrados altera-se pelo reconhecimento do papel de sujeitos e pelo direito de participação dos principais intervenientes na Educação.
A mudança inicia-se com a Reforma do Sistema Educativo em 1989, pelo XI Governo Constitucional.
O novo quadro de relações da Administração com a sociedade configura um modelo aberto de funcionamento, abandonando uma visão de sistema fechado, que funcionava sobre si próprio, para administrar um sistema que se abre à participação social, Mas estas alterações não podem, ser vistas como uma evolução substancial. A Administração manteve invariante, os traços fundamentais e determinantes do seu funcionamento e estilo (hierarquia, sentido descendente das normas, comunicação escrita, impessoalidade).
Ao nível das macro decisões, a Administração Central abre o leque de fatores que intervêm nas decisões, ouvindo, de forma sistemática, parceiros e órgãos consultivos onde estão representados os interesses sociais; ao nível das meso e micro decisões que regem o funcionamento normal do sistema, mantém invariante o padrão de processos e de procedimentos, próprios dos modelos burocráticos.
Em nome da estabilidade do sistema e para assegurar a eficiência dos serviços, não são descentralizadas matérias fundamentais, cuja intenção de transferência está expressa em diplomas de igual força legal.
Todos estes aspetos constituem formas de perpetuar uma presença forte da Administração, em prejuízo de um papel regulador e de coordenação.
São estas lógicas e contra-lógicas que geraram, nos processos de descentralização e de desconcentração da Administração do sistema escolar, a contradição fundamental deste processo de reforma que se traduz na existência, no plano conceptual, de uma lógica de descentralização e numa praxeologia de cariz centralizador, no plano do funcionamento.
O ME para se adaptar ao gigantesco crescimento das tarefas desconcentrou-se, em 1979, territorialmente para os distritos (DRE).
Só a partir de 1986, no triplo contexto de reforma do estado, da administração pública e da educação, para responder aos desafios políticos e sociais de desenvolvimento e de integração europeia se colocou a questão do papel da Administração. Era necessário modernizar para acompanhar o desenvolvimento europeu.
O objetivo de modernização para acompanhar o desenvolvimento europeu e para a afirmação individual do país perante a comunidade internacional é retomado na agenda política com o XI Governo Constitucional (1987-1991) que faz da Educação uma prioridade nacional. No campo da Educação o discurso reformista tradicional deu lugar a um discurso jurídico normativo e político, que a par das novas correntes do pensamento pedagógico e educativo, acompanha o pensamento reformista da administração e as tendências de descentralização registadas na Europa. A nova modernização ganha uma dupla dimensão no contexto do pensamento europeu: a racionalidade e a subjetividade (Touraine, 1994).
A declaração de Lisboa de 2000 foi determinante e gerou mudanças fundamentais na natureza e âmbito do envolvimento da UE na política educativa. Envolve um novo conceito de subsidiariedade na educação e ao mesmo tempo, conduz à criação de um novo EEE baseado numa divisão funcional e de escala do trabalho da governação educacional que coexistia com a subsidiariedade sem contudo a ultrapassar. Quanto ao primeiro, as conclusões de Lisboa não só pormenorizavam, uma série de Objetivos Futuros Concretos para os Sistemas Educativos, como também especificavam que apenas poderiam ser atingidos a nível da Comunidade e não a nível de cada Estado Membro. No que respeita ao segundo, a Europa é concebida como o espaço de governação educacional que neste domínio cria as condições e afirma a necessidade de uma divisão funcional e de escala do trabalho de governação educacional. Um modo de não interferir nas decisões internas dos EM, tem sido evitar a mínima suspeita de ameaça às competências nacionais, centrando-se em áreas exteriores ao setor obrigatório, como a aprendizagem ao longo da vida e atividades que não sejam intrínsecas ou não constituam «direito de propriedade de qualquer sistema educativo. O conceito de competências, que por serem transversais ao currículo, considera-se que não oferece ameaça à autoridade nacional, uma vez que são passiveis de se adaptar a qualquer política educativa. Esta abordagem condiz com o desejo de mudar os sistemas educativos e recorrer à política social produtiva como principal meio de resolução das contradições de Lisboa que não atribuem à educação o estatuto de área política «teleológica» ou seja uma área em si mesma, mas antes o de uma componente da política social, do mercado de trabalho e da política económica geral (Gornitzka, 2005:17).
Para a Comunidade, a aprendizagem ao longo da vida responde tanto ao político-económico como às condições específicas da EU, em que se alicerça o EEE.
Como afirma Lourenço (2000: 12 […] mudámos de mundo e de contextos específicos, sob o ponto de vista cultural e de organização política da administração da Educação. Mudámos, literalmente falando, e sem quase nos darmos conta disso, de mundo. Mudámos porque o mundo conheceu uma metamorfose, sem precedentes, não apenas exterior, mas de fundo […] Deixámos de ser, como durante séculos, uma pluralidade de nações ou povos […] sem surpresa, esta avalassadora dissolução das entidades clássicas a que chamávamos nações compensa-se com a reivindicação de microidentidades […] e ninguém sabe se são apenas vestígios de arcaísmo tribal de nova espécie, se anúncio de um mundo ao mesmo tempo globalizante e intimamente fragmentado… Portugal nunca sofreu metamorfose comparável à dos últimos 20 anos. Não foi apenas uma mudança exterior… mas uma alteração ontológica se isso se aplica a um povo. Estamos tão dentro dela que não a podemos pensar” (Lourenço, 2000:12-13).


Bibliografia:
Dale, Roger, Construir a Europa através de um espaço europeu de educação, Revista Lusófona de Educação,2008,II

Ramos, Conceição C., Regulação dos Sistemas Educativos, O Caso Português

Barroso, João, O Estado, a Educação e a Regulação das Políticas Públicas

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