quinta-feira, 7 de junho de 2012


Ficha de leitura/Ficha Resumo
Dale, Roger, Construir a Europa através de um Espaço Europeu de Educação, revista lusófona de educação,2008,II
A construção da “Europa” como entidade é um objetivo dos esforços levados a cabo para a construção de uma política de educação europeia, nas políticas educativas dos Estados Membros. Foca-se nos contextos interno e externo dessa construção.
Considera que o contexto externo compreende mudanças no contexto político-económico, na “arquitetura” dos sistemas educativos, nos seus mandatos e capacidade, bem como nos modos como estas contribuições são avaliadas. O contexto interno tem a ver com o mecanismo de “soft governance” através da qual o espaço europeu de educação se foi moldando. É possível identificar três fases nesta construção, o estabelecimento da “qualidade”, a “soft governance” (o Método Aberto de Coordenação) e a agenda da Aprendizagem ao Longo da Vida, formatadas por mudanças nos contextos globais e nas respetivas interpretações a nível europeu.
Identifica mudanças na utilização e natureza de mecanismos de ‘soft governance’, como os indicadores e os níveis de referência, na construção de um Espaço Europeu de Educação (EEE) e centra-se não nas possibilidades de inferência ou observação desta construção a partir dos seus efeitos nos sistemas educativos dos Estados Membros (EM), mas nas consequências que ela transporta para a conceção e natureza de uma ‘Europa’ que informa e enforma o referido EEE.
Nos últimos dez anos ocorreram as seguintes mudanças:
- No contexto político-económico mais abrangente;
- Na ‘arquitetura’ dos sistemas educativos, incluindo as suas relações com o capitalismo e a modernidade, além das relações recíprocas entre eles;
- Quanto à ‘capacidade’ (conceções sobre o que é factível) e ‘mandato’ (conceções sobre o que desejável) dos sistemas educativos;
- Quanto ao valor atribuído ao contributo dos sistemas educativos para a satisfação das exigências criadas por estas alterações de contexto.
As mudanças no contexto político-económico mais abrangente estão sintetizadas nesta citação de Boaventura de Sousa Santos: “O Estado deixou de ser a agência de controlo das articulações entre os três pilares da regulação moderna (Estado, mercado e comunidade), para se tornar servidor do mercado e redesenhar a comunidade para se tornar no mesmo” (2004: 154).
O neoliberalismo desprezou alguns dos alicerces fundamentais da modernidade com os quais viveu tanto tempo mas que agora considera que constituem um obstáculo. A este propósito, toma-se aqui como referência a sistematização de Bob Jessop (1999) sobre as dimensões de mudança que ocorreram entre 1975 e 2000:
(1) Uma deslocação nas relações entre o Estado e a economia, transitando de um Estado planificador e interventor para um Estado mínimo no envolvimento na economia. À medida que o neoliberalismo avança, o Estado não só se exime a constituir-se em obstáculo ao comércio livre e paradoxalmente transforma – se no seu ativo facilitador). Para a Educação isto significa corroer a base económica nacional em que assentam os recursos da Educação.
(2) Uma deslocação da responsabilidade do Estado para o indivíduo nas questões da segurança e do risco, sobretudo na área do emprego. Na Educação mudam-se as relações entre as funções social e económica, passando de um contexto onde a económica suportava a social para o seu oposto.
(3) Uma mudança de perspetiva, do nacional para o pós-nacional, refletindo o declínio da supremacia nacional sobre a economia e as fronteiras e a concomitante proliferação de organizações internacionais que assumem muitas das prerrogativas e responsabilidades outrora tidas como ‘nacionais’.
Na Educação, o Estado já não é o detentor do monopólio da governação da educação .
(4) Mudanças na natureza e fontes de governação, em particular do sector público, que envolvem a passagem de uma situação em que ‘o Estado faz tudo’ param uma variedade de formas e agentes de atividades governativas que deixaram de ser prerrogativa do Estado, enquanto sua única fonte e meio. Para a Educação, o nacional deixa de ser o único plano de análise dos sistemas educativos e de governo das suas atividades.

A Arquitetura dos Sistemas Educativos
Podemos considerar que a arquitetura dos sistemas educativos é constituída por quatro componentes que se baseiam nas ligações da Educação com a modernidade, por um lado, e com o capitalismo, por outro.
 São:
- a modernidade,
- os problemas fundamentais do capitalismo,
- a ‘gramática’ da escola.
- a relação da Educação com as sociedades nacionais.
Estes quatro elementos combinam-se de modos diferentes e mutáveis para dar forma à arquitetura em que assenta a ‘educação’ das sociedades contemporâneas, e compreendem os meios de definição da Educação e dos seus propósitos como os meios através dos quais ela se processa.

Modernidade e Educação
Na opinião de John Meyer, “os dois objetivos essenciais de um adequado Estado nacional moderno — igualdade individual e progresso coletivo — unem-se numa extraordinária vaga mundial de expansão educacional admiravelmente homogénea” (2001, 6).
Os teóricos da ordem mundial realçam a importância da ciência e da racionalização, ‘cientização’ e profissionalização de um leque cada vez maior de questões e problemas sociais que, ora deixam de estar sujeitos a interpretações e remédios locais, ora se considera que estão fora do seu alcance.

Os problemas centrais da Educação
Dale, (1989) referiu que a chave-mestra da compreensão dos sistemas educativos reside no reconhecimento da sua relação com os problemas fundamentais do capitalismo, que este não pode por si só estabelecer, mas que precisa de uma instituição como o Estado para o fazer. Referia-se: - à garantia de uma infraestrutura para a contínua acumulação e desenvolvimento económico, como a oferta de uma força de trabalho de competências diversificadas;
- à manutenção de um determinado nível de ordem e coesão social;
- à legitimação das desigualdades inerentes ao sistema.
As soluções para estes problemas tinham tanta probabilidade de ser mutuamente contraditórias como mutuamente complementares e é no âmago da política educativa que residem as tentativas de resolução destas contradições.
Em essência, poder-se-á considerar que estes problemas marcam os limites do possível para os sistemas educativos, não no sentido de exigirem determinados currículos, mas no sentido de fixarem o que não é do interesse do capital. Estes limites são de difícil previsão e apenas se reconhecem quando são ultrapassados; a sua existência é reforçada pela crescente mobilidade do capital, que permite rápidas mudanças de regimes educacionais considerados pouco favoráveis.

A gramática da escola
Este termo (Tyack e Tobin, 1994) é utilizado para exprimir um conjunto de pressupostos e práticas organizacionais que se consolidaram à volta do desenvolvimento da escola de massas e que acabaram por ser vistos como seus definidores. Nomeadamente através da delimitação espacial da ‘escola’ e da base temporal da educação, com o conceito de ‘ano escolar.
A escolarização é de várias formas universalista.
A educação primária universal é considerada como um primeiro passo para a eliminação da pobreza através dos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio. A única coisa que se exige dos cidadãos é a sua participação na Educação, pois a expectativa de que todos sejam tratados, pelo menos formalmente, de forma igual está enraizada nas formas institucionais de escolarização.
Por fim, a Educação é vista como um emprego para profissionais especializados.

A Educação como repositório da tradição e identidade nacional
Os sistemas educativos são os principais meios a que as sociedades recorrem para procurar definir, replicar e assegurar a sua singularidade nacional, para reforçar as economias nacionais e responder aos problemas sociais e para influenciar a distribuição das oportunidades individuais. Uma outra área importante em que são significativas as relações com o itinerário nacional é a definição de um ‘sector’ nacional de Educação.
As exigências que recaem sobre os sistemas educativos têm sido múltiplas e eles tentam incorporá-las de várias formas, com prioridades diferentes e diferentes graus de sucesso. Tem-se registado apelos sucessivos para que a Educação contribua fortemente para a agenda da competitividade, acompanhados de sugestões de que a capacidade exigida para satisfazer este mandato não pode ser conseguida a nível nacional ou pelo sector público, por si só, mas apenas a nível Europeu e com o contributo do sector privado. Significa isto que, embora se inscrevam num conjunto comum de categorias curriculares, não há um entendimento consensual sobre o que essas categorias significam e sobre o modo como são priorizadas ou aplicadas, não há uma conceção comum sobre o conteúdo adequado da Educação, assim como não a há quanto aos fatores de eficácia dos sistemas educativos. Daqui decorre, no atual contexto, que uma mudança dos sistemas educativos, combinada com as exigências de mudança que sobre eles se exercem tenha principal consequência a proliferação da procura de ferramentas fiáveis de avaliação da ‘Educação’ e da sua eficácia.
Uma das consequências é o facto de os sistemas educativos terem sido considerados deficitários, em termos do contributo que podem dar às agendas da competitividade e da Economia do Conhecimento/Aprendizagem ao Longo da Vida. Considera-se que os sectores nacionais estão condicionados e destinados a servir matérias e interesses muito mais amplos do que os exigidos por Lisboa e revelam-se incapazes de prosseguir os seus objetivos. Estes sistemas carecem não de reforma, mas de transformação, tanto quanto aos fins como quanto aos meios. Um dos melhores exemplos desta afirmação encontra-se nos “Cenários da Educação” (OCDE, 2001). São propostos à consideração seis cenários para a escola do futuro. Prevalecem os apelos a uma educação ‘personalizada’, ou feita à medida, que permita responder às exigências do KnELL em mudança acelerada. Vemo-lo expresso num documento da OCDE em que se afirma que é necessário passar dos modelos educativos do ‘antes prevenir’ ou até do ‘mesmo a tempo’ para um modelo que vise uma oferta educativa ‘só para mim’. Além disso, uma das ‘principais orientações políticas’ da agenda de Lisboa pós-2005 aconselha a “definição de novas prioridades para as políticas educativas nacionais, isto é, transformar as escolas em centros abertos de aprendizagem, apoiar (todos) os grupos populacionais, a usar a Internet e multimédia” (Rodrigues, 2005: 6).
Estas amplas mudanças são os desafios e as oportunidades de um Espaço Europeu de Educação onde a escala e a natureza da governação educacional estão a mudar. Estão em risco os propósitos e os contributos da educação, onde não há um conteúdo nuclear de Educação forte e comum, onde a sua arquitetura e em especial a gramática da escola e as suas responsabilidades nacionais, embora sob considerável pressão, continuam a ser um poderoso elemento de continuidade.

Mudança de resposta a nível da UE
O Tratado de Educação afirma que a educação obrigatória é de responsabilidade nacional, sujeita à subsidiariedade. A Comunidade tem de respeitar a responsabilidade dos Estados Membros pelo conteúdo do ensino, organização dos sistemas educativos e sua diversidade cultural e linguística. O Artigo 149.1, do Tratado afirma que “A Comunidade contribuirá para o desenvolvimento de uma educação de qualidade, incentivando a cooperação entre os Estados Membros e, se necessário, apoiando ou complementando as suas ações, embora respeitando plenamente a responsabilidade dos Estados Membros pelo conteúdo do ensino, organização dos sistemas educativos e sua diversidade cultural e linguística”. O Artigo 149 tem servido de veículo à Comissão para uma significativa ampliação da agenda no domínio da educação. O que era admitido pela porta da ‘qualidade’ da escolarização oferecida, de ferramenta comum para a avaliação da eficiência dos sistemas nacionais, passou a política educativa europeia explícita, supranacional, mais baseada na coordenação política do que na cooperação técnica e a substituir amplamente os indicadores comuns de eficiência nacional por metas, conteúdos e critérios de eficácia, também comuns.
A declaração de Lisboa de 2000 gerou mudanças fundamentais na natureza e âmbito do envolvimento da UE na política educativa, respeitando a divisão funcional e de escala das competências formais representadas no Artigo 149 e o princípio da subsidiariedade. Envolveu um novo conceito de subsidiariedade na educação e ao mesmo tempo, conduziu à criação de um novo EEE baseado numa divisão funcional e de escala do trabalho da governação educacional que coexistia com a subsidiariedade sem contudo a ultrapassar. Quanto ao primeiro, as conclusões de Lisboa não só pormenorizavam, uma série de Objetivos Futuros Concretos para os Sistemas Educativos, como também especificavam que apenas poderiam ser atingidos a nível da Comunidade e não a nível de cada Estado Membro. É evidente que isto pode ser visto como a substituição da subsidiariedade pela ‘supersidiariedade’, no sentido de a própria Comunidade se constituir como o nível mais baixo de administração. No que respeita ao segundo, a Europa é concebida como o espaço de governação educacional que neste domínio cria as condições e afirma a necessidade de uma divisão funcional e de escala do trabalho de governação educacional, ao mesmo tempo que fornece o mecanismo crucial que o viabiliza, na forma de Método Aberto de Coordenação (MAC). As condições de formação de um espaço europeu de educação (EEE) não deveriam ignorar o conjunto de obstáculos enunciados e têm de ser concordantes com a subsidiariedade ou basear-se em aspetos particulares não sujeitos a subsidiariedade. Um modo de contornar este problema tem sido evitar a mínima suspeita de ameaça às competências nacionais, centrando-se em áreas exteriores ao setor obrigatório, como a aprendizagem ao longo da vida e atividades que não sejam intrínsecas ou não constituam «direito de propriedade de qualquer sistema educativo. O conceito de competências, que por serem transversais ao currículo, se considera não oferecerem ameaça à autoridade nacional, uma vez que são passiveis de se adaptar a qualquer política educativa. Esta abordagem condiz com o desejo de mudar os sistemas educativos e recorrer à política social produtiva como principal meio de resolução das contradições de Lisboa que não atribuem à educação o estatuto de área política «teleológica» ou seja uma área em si mesma, mas antes o de uma componente da política social, do mercado de trabalho e da política económica geral (Gornitzka, 2005:17).
A aprendizagem ao longo da vida responde tanto ao político-económico como às condições específicas da EU, em que se alicerça o EEE

Fase 1 - Definir ‘Qualidade’ como base de comparação
A ausência de pressupostos comuns sobre o conteúdo da Educação e sobre o que torna os sistemas eficazes abriu a porta à criação de ferramentas de avaliação. O que poderia ser visto como o problema da diversidade dos sistemas educativos europeus foi convertido numa oportunidade para a criação da base de um Espaço Europeu de Educação.
O Artigo 149 permitia a intervenção na ‘qualidade’ dos sistemas educativos e a ‘Qualidade’ é a base ideal que permite à UE uma entrada ou uma oportunidade de intervenção na política educativa, visando a construção de uma política educativa europeia. Pode ser vista como um conceito sem significado próprio, mas o que obtém do que o rodeia, no que é exímio em absorver e potenciar. Por outro lado, é neutro, apolítico (até mesmo ‘supra’ político) e a-nacional; a linguagem técnica através da qual a sua presença é detetada ou inferida é externa, está acima e é transversal aos discursos nacionais correntes. Não representa, qualquer ameaça aos interesses existentes e oferece possibilidades de melhoria apolítica e ‘sem dor’ — condições aceitáveis para a intervenção europeia na Educação.
O interesse da UE em indicadores de qualidade surgiu num projeto piloto de avaliação da qualidade na educação escolar (ver Macbeath et al., 1999) e foi seguido de um acordo (Encontro de Ministros da Educação de Praga, em 1998) para o estabelecimento de uma comissão de trabalho de peritos nacionais que deveriam produzir “um número limitado de indicadores ou pontos de referência (benchmarks3) para os resultados escolares a atingir, a fim de apoiar a avaliação nacional dos sistemas (…) [com] o objetivo de (…) identificar áreas (apoiadas por indicadores) onde se podem fazer comparações entre países, de modo a identificar boas práticas, trocar experiências e definir as principais mudanças políticas” (Hingel, 2001: 13). Daqui emerge, em Maio de 2000, o “Relatório Europeu sobre a Qualidade da Educação Escolar: Dezasseis Indicadores de Qualidade”. A preocupação pós-Lisboa prendeu-se com o aumento da capacidade dos EM, em identificar e atingir objetivos cooperativamente (a sua eficácia). A ‘qualidade’ parece ser interpretada com toda a flexibilidade que lhe é inerente, mas quando se analisa o relatório, encontra-se toda uma série de dificuldades e diferenças nos modos como é usada. Em primeiro lugar, não contém qualquer definição de qualidade, sendo óbvia uma substancial derrapagem ou flexibilidade nos usos do termo. O Artigo 149 fala de ‘educação de qualidade’, esse termo nunca aparece no Relatório, a não ser quando o próprio Artigo é citado. Na primeira página, o Relatório começa por discutir a ‘qualidade da educação’ como uma questão prioritária, mas passa depois a falar de ‘avaliação da qualidade’. Estas diferenças são particularmente importantes quando a ‘qualidade’— a todos os níveis do sistema educativo — é definida pelo que é ‘avaliado’ e porquê, o que em boa medida faz dela uma questão política. Além disso, o facto de os indicadores servirem expressamente para “permitir aos países aprenderem uns com os outros através da comparação de interesses comuns e diferenças partilhadas” e de os benchmarks servirem para “dotar os políticos com pontos de referência”, sugere pelo menos um afastamento da avaliação da eficiência, no sentido da cooperação em função de objetivos comuns. E este afastamento é fortemente reforçado quando depois da introdução se transita abruptamente, para indicadores que nos levam a identificar ‘cinco desafios fundamentais para o futuro’ — conhecimento, descentralização, recursos, inclusão social e comparabilidade. Esta mudança de ênfase de indicadores e benchmarks para ‘desafios’, de ‘abordagens de interesse comum’ e ‘aprendizagem mútua’ para desafios/agendas comuns, sublinha a natureza da mudança que ocorreu na abordagem e propósito do programa.

Fase 2 - Construção de um Espaço Europeu de Educação através do Método Aberto de Coordenação
Os meios que deviam conduzir à mudança defendida por Lisboa quanto à natureza da política educativa de nível europeu também foram definidos no Conselho de Lisboa. O escolhido foi o Método Aberto de Coordenação (MAC). O seu principal interesse era o de oferecer a possibilidade de ultrapassar o impasse na política europeia causada pelas limitações dos dois principais caminhos para a integração: a regulação e o consenso. Prometia consegui-lo ao gerar convergência regional com diversidade. O método aberto de coordenação, desenhado para apoiar os Estados Membros a desenvolverem as suas próprias políticas, envolve:
• fixar orientações para a União, combinadas com calendarizações específicas para a consecução dos objetivos definidos para o curto, médio e longo prazos;
• estabelecer, quando se justifique, indicadores e benchmarks quantitativos e qualitativos ao nível dos melhores do mundo e à medida das necessidades dos diferentes Estados Membros e sectores, como meio de comparar as melhores práticas;
• transpor estas orientações europeias para as políticas nacionais e regionais, definindo metas específicas e adotando medidas concordantes com as diferenças nacionais e regionais;
• monitorização periódica, avaliação e revisão por pares, como processos de aprendizagem mútua.
A atração e valor do MAC em áreas como a Educação são bastante óbvios. Como afirma Mario Telo (2001: 2), apenas será possível caminhar para a convergência nas áreas mais importantes para o projeto de modernização (que incluem a Educação e que, paradoxalmente, são as mais importantes e sensíveis em termos nacionais) através de métodos que não se baseiem na extensão da regulação. Também é interessante notar que, como diz Caroline de la Porte (2001: 360):
- As áreas tratadas no âmbito do MAC [estejam] politicamente relacionadas com os objetivos estratégicos globais da Europa, tal como definidos em Lisboa. Por isso, embora a dimensão social da União tenha sido empolada, ela continua a estar ligada ao seu projeto económico. De facto, parece haver uma tensão entre os objetivos definidos (do topo para a base) e acordados durante as sucessivas sessões do Conselho Europeu e a necessidade de que o MAC assuma vida própria nas suas esferas individuais.
O contributo mais diretamente relacionado com o EEE é assinado por Ase Gornitzka (2005). A autora defende que o nível europeu de áreas como a da Educação nasceu essencialmente das atividades promovidas pelo MAC e que, sem ele, a ‘Europa’ não existiria na (s) forma (s) que hoje a caracteriza (m). De igual modo, o recurso à definição de benchmarks, partilha de melhores práticas, etc., não representa apenas os meios de construção dos ‘universos’ nacionais e europeus, mas também os meios através dos quais se ligam uns aos outros, o que significa que o MAC não só fornece os meios de construção da ‘unidade’ (Europeia) como igualmente viabiliza a ‘diversidade’ (nacional) no processo de adesão a essa unidade.
O texto de Gornitzka também demonstra de que modo o MAC contribui para a construção do nível europeu em Educação. A autora defende, que os níveis de referência para a melhoria da educação e formação na Europa, até 2010 (reduzir a taxa de abandono precoce e de insucesso académico; aumentar o número de diplomados em Matemática, Ciências e Tecnologia; incrementar a proporção da população que termina o ensino secundário; e, melhorar as taxas de participação em iniciativas de Aprendizagem ao Longo da Vida), “não são metas concretas a serem alcançadas até 2010 por cada um dos países”, mas “níveis de referência para um desempenho europeu médio’’, definidos pelo Conselho (Gornitza, 2005: 17).
Claus Offe (2003) coloca o MAC no centro da pressão que a Comissão Europeia (CE) exerce no sentido de considerar as atuais medidas de política social obsoletas e carenciadas de revisão, experimentação e inovação. Poder-se-ia dizer que esta pressão deriva do contexto global cada vez mais competitivo que é identificado pelos objetivos de Lisboa e que é fundamental para a sua consecução.
Um dos enfoques deste documento é a ideia de ‘melhor prática’ como característica do MAC, argumentando o autor que um dos requisitos para que todos os países imitem uma forma consensual de ‘melhor prática’ não será a mera adoção dessas práticas, mas a “desaprendizagem e demolição parcial dos padrões institucionais (nacionalmente) entrincheirados”. O autor vai mais longe ao considerar que esta desaprendizagem “pode ser o principal propósito do MAC ou o seu currículo oculto” (Offe, 2003: 463), além de que “(restitui) aos Estados membros” as elites políticas e constitucionaliza a necessidade de ‘modernização’ e ‘recalibração’ das políticas (sociais) até agora adotadas” (p. 464).
A perspectiva funcionalista e produtivista destas medidas também implica que as instituições de política social exogenamente estabelecidas e impostas, características do Estado providência enquanto Estado nação relativamente autónomo, passem a ser endogeneizadas no próprio jogo: estatuto, segurança e solidariedade tornam-se contingentes por voluntarismo contratual. Do mesmo passo que o jogo deixa de ser um jogo com regras para cada vez mais passar a ser um jogo sobre regras. (Offe, 2003: 463, sublinhados do original)

Colin Scott sugere que os benchmarks podem ser usados para melhorar a qualidade e o desempenho ou aplicados na adesão a políticas, por oposição a padrões operacionais, onde o alvo da intervenção é mais o alinhamento de políticas do que o desempenho em si mesmo (o que ele considera ser o modo como o benchmarking tem sido usado em alguns domínios da governação da UE). Por este processo, “é muito provável que o benchmarking se assemelhe ao MAC, no sentido em que não venha a lidar, com a divergência de desempenho, mas sobretudo com a divergência de perspectivas políticas” (Scott, 2002: 72-3). Este é um elemento muito significativo de flexibilidade. Significa, que os benchmarks de desempenho (ou ‘boas práticas’) podem ser usados internacionalmente para estabelecer limites proscritivos/exclusivos para a ação dos Estados Membros e que os benchmarks, enquanto ferramentas políticas, podem ser usados para alinhar supranacionalmente as suas políticas.
O MAC transforma as decisões políticas em assuntos ‘técnicos’ que têm de ser negociados a longo prazo entre peritos ‘desnacionalizados’, em detrimento das preferências nacionais que têm de ser defendidas internamente. Os indicadores e os benchmarks podem ser vistos como simples mecanismos quantitativos, não-diretivos, flexíveis e transparentes que permitem uma considerável amplitude de intervenção e interpretação, o que politicamente os transforma em mecanismos de regulação muito atrativos, tanto em termos nacionais como supranacionais. Mas ao mesmo tempo deslocam temporal e espacialmente os problemas imediatos; alargam o horizonte temporal de resposta aos problemas e deslocam o centro de decisão para outro lugar. Este facto implica também que a decisão política de educação a nível da UE seja transformada em matéria de resolução técnica de problemas entre parceiros no sistema e não no resultado da resolução política de conflitos políticos entre diferentes interesses. Finalmente, o MAC opera mais na base da proscrição do que na da prescrição; isto é, tende mais a patrulhar as fronteiras do possível do que a definir com precisão o que o território assim definido deve conter.
Globalmente, em educação o MAC tanto pode ser visto como o construtor de um EEE como o garante de uma divisão funcional e de escala do trabalho entre esse espaço regional e os espaços políticos nacionais.


Fase 3 - Aprendizagem ao Longo da Vida como um Programa Integrado único
A revisão de médio prazo do progresso da agenda de Lisboa foi pouco lisonjeira quanto aos resultados alcançados nos primeiros cinco anos de vigência do programa. Atentos aos insucessos revelados pelo MAC, apelava-se a uma definição mais apertada de metas a atingir, em relação aos objetivos de desenvolvimento económico e a métodos alternativos de difusão e implementação de programas da UE. O relatório intermédio do Conselho de 2004 sobre a aplicação do programa de trabalho da Educação era igualmente pouco entusiasta quanto aos resultados alcançados, tendo o Conselho Europeu da Primavera de 2005 procurado redirecionar tanto os objetivos do programa como os meios para os atingir. O alicerce desse redireccionamento de objetivos viria a ser um ‘programa de ação integrado no domínio da aprendizagem ao longo da vida’ que constituiria a base para a nova geração de programas de Educação da UE, para 2007-2013 (CEC, 2004). O relatório de 2006 da Comissão sobre os progressos da implementação do programa de Educação e Formação 2010 manteve a ênfase na necessidade de acelerar a velocidade da reforma, em especial na área da aprendizagem ao longo da vida, o que era considerado como uma condição “sine qua non para atingir os objetivos de Lisboa, enquanto simultaneamente se reforçava o modelo social europeu” (p. 10). Um outro destaque significativo do relatório tem a ver com a eficiência e definição de metas de investimento na Educação e com uma chamada de atenção para a necessidade de melhorar a governação do programa. E enquanto mostrava que, em 2004-2005, o Conselho da Educação tinha “adotado uma série de ferramentas, princípios e referenciais comuns, relacionados com a mobilidade, a garantia de qualidade, a aprendizagem não formal e a orientação” (p. 9), igualmente apontava dois novos processos de melhoria da governação que tinham sido introduzidos. Trata-se da criação de um grupo de ‘Coordenação da Educação e Formação 2010’, constituído por representantes ministeriais e parceiros sociais, além da introdução de novos métodos de trabalho, em substituição dos vigentes grupos de trabalho (relacionados com o MAC), formados a partir de ‘clusters’ de países centrados em questões essenciais.
A aprendizagem ao longo da vida – ou a educação permanente, ou recorrente — foi uma corrente importante da reforma educativa progressiva que ocorreu após a II Guerra Mundial, promovida pela UNESCO. O primeiro projeto de promoção da aprendizagem ao longo da vida definido pela UE foi a designação do ano de 1996 como o Ano Europeu da Aprendizagem ao Longo da Vida, a partir do qual se intensificou a sua importância e perfil, como afirma Dehmel no seu relatório sobre o desenvolvimento das políticas de ALV da UE (Dehmel, 2006). Estava estreitamente ligada à agenda de Lisboa, com a Comissão a apresentar um Memorando em Outubro de 2000 a sublinhar que “a aprendizagem ao longo da vida já não é um mero aspeto da educação e formação; mas tem de tornar-se no princípio orientador da participação ao longo de todo o contínuo dos contextos de aprendizagem” (citado por Dehmel, 2006: 54). Contudo, não há um entendimento unívoco sobre o conceito de aprendizagem ao longo da vida. Dehmel traça as mudanças que se têm operado no seu uso, sugerindo que o seu sentido originário está associado ao emprego e especulando sobre o valor das suas qualidades propangandísticas e flexíveis, “uma máxima que parece adaptar-se perfeitamente a quase tudo, sem necessidade de explicação” (Dehmel, 2006: 56).
Embora necessárias, estas qualidades não são suficientes para a compreensão do que poderia ser considerado uma ‘ascensão sem par’ da aprendizagem ao longo da vida. Três outros fatores são cruciais para a compreensão do papel que desempenha como elemento central do EEE:
1. Formalmente, não infringe as regras da subsidiariedade nem ultrapassa as prerrogativas nacionais, porque a maior parte dos EM têm políticas de ALV bastante rudimentares, com considerável variação de significado. Do mesmo modo, o que promove é o desenvolvimento de competências, que mais uma vez não viola a jurisdição nacional, como o faria a proposta de novo conteúdo. Ironicamente, a falta de atenção e resposta a apelos de melhoria dos sistemas de ALV dos EM poderia ser tomada como prova de que esta estratégia tem tido sucesso.
2. O enfoque no emprego e em particular as promessas implícitas, e também muitas vezes explícitas, de resolução das contradições entre os objetivos de Lisboa, através de uma ‘política social produtiva’ têm tido uma clara influência na sua proeminência. É aqui que encontram fundamento os novos sectores de nível europeu, que se sobrepõem aos sectores nacionais, mas sem os replicar. Este sector de ‘política social’ foi, referido por Gornitzka (na citação acima), enquanto que o relatório de progresso de 2006 sobre a implementação do Educação & Formação 2010 apela a uma “Efetiva sinergia interministerial entre ‘políticas de conhecimento’ (educação, formação, emprego/segurança social, investigação, etc.)” . Esta ‘re-setorialização (ver Dale, 2006), ao distanciar-se da ‘Educação’ como é convencionalmente entendida, passa a não ser considerada ameaçadora, o que cria as condições para o desenvolvimento de sectores e políticas de nível europeu.
3. Estas mesmas qualidades também permitem que a ALV seja usada como fundamento de crítica à atual arquitetura dos sistemas educativos e em especial à gramática da escola. Quebra explicitamente com os convencionais pressupostos temporais, espaciais e profissionais, através, do slogan ‘aprender em qualquer lugar, a qualquer hora e com quem quer que seja’ e atinge o âmago do sistema convencional, ao promover a aprendizagem em detrimento do ensino, vertente nuclear dos sistemas educativos.
Finalmente, é importante notar que foi introduzido um novo meio de coordenação da implementação do programa E&F 2010, na forma de um Grupo de Coordenação da Educação e Formação, que preenche a necessidade de uma mediação entre o nível nacional e o programa europeu de trabalho e “que apoiará a gestão operacional e implementação eficiente do programa, de forma integrada e numa perspectiva de aprendizagem ao longo da vida (…). Centrar-se-á nas questões relacionadas (…) com a coordenação e planeamento de atividades, levantamento de resultados, enquanto as questões de estratégia e política global serão tratadas a nível de Conselho” (EC 2005; ver também CEC, 2005b). Isto parece confirmar uma divisão funcional e de escala do trabalho entre o nível europeu e os Estados Membros e visa colocar a ‘Europa’ no lugar de condutor do EEE.

Conclusão
A UE está a construir um Espaço Europeu de Educação, sobre o qual detém o controlo e neste processo veio a formar uma nova versão da ‘Europa’ para a educação e muito possivelmente para além dela.

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