domingo, 24 de junho de 2012


Sistemas Educativos/ Organização e Avaliação

Ficha de leitura/Resumo


Roggero, Pascal, Avaliação dos sistemas educativos nos países da União Europeia: de uma necessidade problemática a uma pratica complexa desejável, Eccos revista cientifica, 2002, Dezembro, volume 4, nº 2, Centro Universitário Nove de Julho, São Paulo, Brasil, pp 31-46

Resumo: O processo de avaliação no mundo da educação é um processo que caminha sem conflitos e está a generalizar-se nos países da EU. Combinando a análise das formas constitucionais e os procedimentos utilizados e de outro lado, as representações que fundamentam essas políticas ou modelos de avaliação, é possível definir três grandes modelos de avaliação:
- O inglês, o francês e o finlandês.
Embora pareça legitimo que as organizações e os sistemas educativos sejam equipados com instrumentos de monitorização como a avaliação, há que assumir que esta é uma questão politica (não técnica) que pressupõe uma deliberação coletiva e democrática a respeito da missão da escola, que por norma não é colocada em prática.
Os grupos de interesse pressionam e a influência da comparação entre os sistemas educativos europeus, também se sente.
Há o risco de se ter uma avaliação técnica internacional transparente, com bases políticas próprias, agindo em prol de uma normalização dos sistemas educativos.
O processo de autoavaliação (complexo, comunidade educativa delibera no seu ambiente sobre as suas finalidades e oferece os meios de conhecer e modificar a sua ação) parece ser mais mobilizador e em mais concordância com a diversidade dos sistemas sociais.


Introdução

A unificação monetária da EU, prefigura uma convergência dos sistemas educativos. A relação entre as nações e a escola é considerável. As universidades estão a adotar uma arquitetura comum para reforçar o intercâmbio de estudantes.
O procedimento de integração europeia conjurou a guerra, aproximando os povos e as sociedades, que ficaram cada vez mais independentes.
Os sistemas educativos europeus apresentam algumas evoluções comuns:
- O desenvolvimento da pré-escolarização,
- O aumento e a feminilização da população estudantil,
- O envelhecimento do corpo docente, 
- O aumento médio das despesas com a educação,
- A autonomização crescente dos estabelecimentos,
- A integração das tecnologias da informação nas praticas pedagógicas,
- A generalização da avaliação.

A introdução da avaliação no meio da educação apresenta especificidades reais que se convertem em dificuldades.
O ato educativo tradicionalmente interpessoal, inscrito numa ética do desinteresse próxima do acordo e dos resultados multidimensionais, dificilmente se avalia por meros indicadores, simplistas, sejam eles qualitativos ou quantitativos, como refere Derouet, 1992.
Sob a pressão socioeconómica nacional e internacional «a cidade industrial e a cidade comercial» tendem a envolver os sistemas educativos europeus. Em nome da eficácia e da concorrência as autoridades políticas nacionais instalaram procedimentos de avaliação nos seus sistemas educativos.
Ao examinar os principais modelos de avaliação das escolas da EU, constata-se que a avaliação escolar se legitima na necessidade de monitorização. Os fundamentos cognitivos e ideológicos mostram a existência do risco de normalização da educação.

1.      A Avaliação como novo referencial das politicas educativas europeias ou os grandes modelos de avaliação escolar
A singularidade dos sistemas educativos nacionais – nível de centralização, grau de autonomia ou os valores fundamentais da escola – condiciona a avaliação, quer no plano institucional, quer nas modalidades das práticas instauradas.

1.1  O modelo concorrencial inglês
Em Inglaterra, o ME criou dois organismos para instaurar a avaliação. Um terceiriza e controla a inspeção dos estabelecimentos; e o outro que elabora os programas nacionais, supervisiona a avaliação das aprendizagens dos alunos e os resultados nos exames e das avaliações específicas em massa.
Estes dois organismos monitorizam a avaliação, reduzindo a instauração das operações, produzindo informação acerca dos estabelecimentos e dos seus valores adicionais destinados a esclarecer as escolhas dos pais e a ação educativa das coletividades locais.
É o modelo de um sistema descentralizado que incentiva a concorrência entre estabelecimentos, encorajada pela livre escolha dos pais.
A cultura da avaliação é medida com base na conceção económica da regularização pelo mercado.
Os resultados do PISA 2000 atestam a eficácia do sistema inglês.

1.2  O modelo de interesse geral francês

O modelo francês assenta em duas estruturas – das inspeções e da administração da educação nacional. A 1ª assegura a avaliação profissional dos professores e das formações e a 2ª avalia os estabelecimentos escolares e o funcionamento administrativo do ministério.
É uma avaliação qualitativa. A direção da avaliação e do desenvolvimento estabelece a avaliação quantitativa do sistema educativo tendo por base um sistema de informação estatístico, juntamente com outro órgão denominado alto conselho da avaliação da escola. Os seus membros são independentes, as missões indicam os limites do sistema de avaliação francês. Existe forte resistência da escola francesa à avaliação externa que está enraizada no modelo de interesse geral.
Segundo o modelo, a instituição escolar deve constituir um espaço autónomo, articulado na dimensão nacional, legitima para formar igualitariamente o futuro cidadão.
Na «cidade cívica» explica as formas avaliativas e a vontade de neutralizar a avaliação ou pelo menos os seus resultados para mostrar que os outros modos de justificação, pautados na empresa e no mercado, adquirem importância.

1.3  – O modelo finlandês – compromisso entre a eficácia e a igualdade
Finlândia obriga a avaliação em todos os níveis de educação e dá muita importância à autoavaliação e multiplicidade de níveis de avaliação da escola.
1993 – Conselho Nacional de Educação, desenvolve a autoavaliação dos estabelecimentos escolares propondo uma reflexão que leva atá à autoavaliação. Adaptada a cada estabelecimento.
Estes modelos contemplam os valores da comunidade educativa, o conhecimento dos próprios recursos e as expectativas dos atores exteriores à escola. São o resultado do procedimento deliberativo definido entre os diferentes parceiros interessados na educação, tentando conciliar objetivos comuns.
Integram um conjunto de indicadores funcionais que dizem respeito à eficácia funcional do estabelecimento de educação, a responsabilidade financeira e os resultados escolares e culturais obtidos.
As formas de autoavaliação são usadas no quadro das avaliações externas realizadas pelas coletividades regionais, locais e nacionais.
 A forte autonomia concedida aos estabelecimentos escolares fez-se acompanhar de uma avaliação externa que substituiu as normas legais no controle dos estabelecimentos.
As autoridades municipais e regionais dispõem de uma capacidade real de orientação relativa a adaptação das escolas aos contextos locais e ao desempenho da ação educativa.
Foram feitas experiências visando fazer depender o financiamento dos estabelecimentos dos resultados da sua ação.
Quando a avaliação é feita por uma agência nacional, tem que passar uma parte da tarefa para as universidades mas conta com o trabalho de autoavaliação realizado pelos estabelecimentos em articulação com as autoridades locais.
A cultura de avaliação parece aproximar o cas inglês do caso finlandês, no entanto existe uma diferença considerável entre ambos. Trata-se da referência à igualdade que o modelo finlandês reconhece como objetivo essencial do sistema educativo ou seja a pesquisa da eficácia da escola julga-se pela capacidade de reduzir as desigualdades sociais no acesso ao saber.
A origem social tem uma fraca influência nas aquisições dos estudantes finlandeses (PISA 2000).
Modelo social nórdico caracteriza-se – neocorporativismo pluralista, um estilo administrativo consensual e por uma tentação igualitária ( Simoulin;1999).
Estes três modelos são típicos no seio da EU. A avaliação inglesa externaliza, privatiza numa lógica associada a uma regulação mercantil. O modelo francês mantem uma avaliação interna e centralizada, restitui a primazia da escola republicana, no modelo de interesse geral. A avaliação finlandesa, pluralista, consensual, traduz a capacidade que a sociedade tem de inscrever a lógica da eficácia no quadro comunitário alicerçado na legalidade.
Os procedimentos de avaliação da escola revelam nas suas modalidades concretas, os compromissos ideológicos e sociais que presidem ao funcionamento das sociedades. Se as instituições influenciam os processos de avaliação, então estes também as podem modificar.

2 . Ferramentas de monitorização, economia cognitiva e ideológica e prática complexa

As despesas públicas com a educação representam em média 12,7% da despesa pública e as despesas com a educação subiram nos últimos anos, cerca de 5%/ano (1995-1999) e atingem um nível médio de 6,8% do PIB (OCDE, 2002).
Mais de 90% dos estudantes frequentam estabelecimentos de ensino público ou privado subvencionado pela EU. Por serem gastos de natureza pública sofrem da crise da legitimidade que afeta a intervenção pública.
O modelo da empresa (ideologia liberal) foi colocado como referência para o conjunto de atividades públicas ou para o público em geral. Desde então as escolas são pressionadas para racionalizarem a sua gestão e melhorar a eficiência e eficácia da ação. O processo de avaliação das escolas constitui uma resposta das autoridades políticas e dos responsáveis dos sistemas educativos a essas exigências.

2.1 A legitimidade da avaliação como ferramenta de informação e monitorização
Nas últimas duas décadas a sociedade exigiu aos sistemas educativos avaliação. Com as medidas de setorização, as classificações dos estabelecimentos divulgadas na imprensa local e nacional multiplicaram-se com mais velocidade e menos rigor estatístico.
Essas classificações surgem pela necessidade de informar os utilizadores da escola e os próprios atores educativos.
Se consideramos as ações educativas numa perspectiva sistemática ou seja como sistemas ativos inseridos num meio ambiente devemos admitir que a monitorização desses sistemas precisa de informações sobre os resultados dessas ações. Nos países de tradição centralizadora, como a França a monitorização do sistema é atribuído à administração central que detém os meios de avaliação e capacidade de orientação, de natureza reguladora de um sistema educativo composto.
A cultura de avaliação existia no centro e pode estender-se às escolas onde predominava uma cultura de execução.
Nos estados federais ou descentralizados a aproximação entre os níveis de decisão político-administrativa e as escolas aumentou a sensibilidade à avaliação.
Com a tendência para a autonomização (Europa) das escolas, a avaliação é uma necessidade dos atores educativos e dos diretores.
A avaliação responde a uma demanda de transparência e de informação dos sistemas educativos e a uma necessidade de monitorização e regularização.

2.2 Fundamentos cognitivos e ideológicos da avaliação escolar na EU

Simmel(1987) […a faculdade de calculo é a essência do mundo moderno.] afirmou quando se referia as origens da economia monetária, a mesma que é praticada na Europa. Orienta-se a ação educativa pelos indicadores quantitativos para a racionalização e maior eficácia. A eficácia na área da ação humana encontra origens na cultura judaico-cristã que exige a submissão do comportamento humano a um Deus transcendente apresentando uma explicação racional do mundo, onde a ciência e a técnica vão crescer.
A responsabilidade individual perante este Deus e a racionalização da conduta que dele advém, aliadas aos termos da Reforma, vão fortalecer-se que serão associados ao desenvolvimento do capitalismo sob a forma de «ética protestante» (Weber,1904-1905).
A avaliação escolar nesta economia cognitiva de racionalização da ação educativa e a cultura de avaliação desenvolveram-se mais precocemente nos países de cultura protestante. Nestes países o estatuto sociopolítico do estado deve construir-se por negociação com os atores socioeconómicos e os interesses constituídos e prestar contas.
 A ação pública não possui a superioridade ontológica que pode ter na França.
A avaliação dos sistemas educativos é política.
O desenvolvimento técnico inscreve-se na consciência tecnocrática que conduz à eliminação da diferença entre a prática e a técnica (Habermas,1987). É necessário deliberar sobre a missão da escola e ao nível dos estabelecimentos escolares e dos poderes públicos. A crise da democracia na Europa não permite reunir as condições democráticas necessárias ao desenvolvimento educacional. Só os mais poderosos podem fazer prevalecer a sua conceção sobre a missão da escola.
Legitimados pelo modelo de empresa como organização eficiente, por o seu poder de recrutamento entre os novos assalariados, nas economias atingidas pelo desemprego em massa, os meios patronais influenciaram os sistemas educativos europeus. Desde 1989, a Mesa-Redonda dos industriais europeus publica um relatório (Educação e Competência) no qual afirma que o desenvolvimento técnico e industrial das empresas, exige uma renovação acelerada dos sistemas de ensino e dos programas. Lamenta a fraca influência dos industriais sobre os programas ensinados e a pouca compreensão dos professores pelo mundo empresarial.
Propõe multiplicar as parcerias entre as empresas e as escolas, pede a incorporação dos industriais nas questões educativas. Os pedidos foram atendidos no ensino técnico-profissional e em menor grau no ensino superior.
É assim que se definem os programas do ensino técnico-profissional na Europa, aligeirando a formação geral dos alunos em prol das competências profissionais e sociais, permitindo a adaptação dos trabalhadores.
Esta conceção foi substituída em 1997, pela nova direção geral da educação, da formação e da juventude da Comissão que numa nota de orientação afirma que as inovações sociais e tecnológicas requerem mais aptidões e atitudes apropriadas, a saber «a aptidão de trabalhar em equipa, a capacidade de adaptação à mudança, o sentido das responsabilidades, o espirito de iniciativa e o gosto do esforço.» Esses saberes e o saber-fazer deveriam ser vistos de maneira significativa na avaliação dos alunos.
Cada vez mais envolvidos nos procedimentos de decisão os interesses patronais da EU, incitaram as autoridades politicas a desenvolver a avaliação generalizada dos sistema educativos. Foram seguidos pelos representantes das coletividades territoriais que viram aqui a possibilidade de intervir na gestão da parte dedicada à educação.
De acordo com os contextos nacionais também os professores influenciaram as missões das escolas.
Protegidos pelo estatuto de funcionários de âmbito nacional e estreitamente vinculados à conceção francesa de serviço público de educação e através dos seus sindicatos, defendem a conceção republicana da escola, constituindo-se como num mundo à parte, autónomo em relação à sociedade e com finalidade própria.
Neste quadro, a formação do futuro ator económico não podia fazer esquecer a transmissão dos saberes disciplinares, a apropriação de uma cultura e a formação do cidadão.
Os educadores franceses conseguiram retardar a apreensão das preocupações económicas e locais em nome da legalidade republicana, neutralizando o efeito das avaliações do ministério. Nestes debates, em regra os estudantes estão ausentes e os que foram excluídos do meio escolar e vivem situações de marginalidade social.
Não há consenso sobre a missão da escola que carece de definição para se proceder a uma avaliação com objetivos específicos. Os organismos internacionais confundem eficácia com projeto politico.
O PISA tem tido repercussões políticas nos poderes públicos dos estados membros da EU.
Tem que se apreciar as informações técnicas, ricas de ensinamentos e promotoras de mutualização de experiencias, da OCDE mas ter em conta que por trás está uma determinada conceção da escola e que já expressou a vontade de privatizar o ensino. Num dos documentos em que expressa essa vontade, aforma que se os setores da saúde, educação e segurança continuarem a ser privatizados, deve observar-se menos constrangimentos orçamentais do setor público, acarretando uma quebra nas taxas de juros, diminuindo os encargos financeiros para os investidores privados. Envolver-se no processo de privatizações das escolas não é compatível com a missão de informação objetiva que a OCDE estabelece.
Estas posições comprometem estes organismos por desconfiança de estarem a ao serviço da conceção neoliberal da educação.
Posições ideológicas destas organizações internacionais mereceram uma forte crítica de teor marxista, da pesquisa PISA, como sendo um procedimento padronizado da avaliação das competências dos alunos com duas funções principais latentes:
- difundir a ideologia neoliberal para os lideres políticos e as populações;
- fazer um trabalho de padronização necessário à privatização progressiva da educação que se tornará num grande mercado (Varcher, 2002).
Mas peca por tomar os atores sociais como firmas transnacionais e das burguesias dominantes, capazes de dominar o mundo que por ser complexo não é dominável. 

2.3 Para uma prática complexa da avaliação
Em referência ao pensamento complexo convida-nos a considerar a ação humana como uma aposta. A ideia moderna associada à racionalidade instrumental, cuja ação dominamos, ignora o princípio da ecologia da ação, segundo o qual uma vez levada, a ação escapa sempre (Morin,1990).
Isto não deve gerar passividade mas lucidez. Considerando o sistema educativo complexo, capaz de proceder a uma auto-eco-reorganização, tomamos consciência de que ele depende da sua história, dos relacionamentos com o seu meio ambiente (eco) e a sua identidade interna (auto).
Toda a ação da avaliação deveria levar em conta essas dimensões.
A satisfação do cliente constitui um critério essencial da avaliação. Esta recolha de informações peca por parcial e em educação não se pode ficar pela satisfação imediata do cliente. Unívoco e pouco construtivo.
Com a lógica consumista este método inspirou algumas universidades francesas, no entanto a Universidade Complutense de Madrid desenvolveu a avaliação da instituição utilizando o método de que cada agente avalia em função dos seus meios, as especificidades (comportamentos, produtividade, etc) de outros agentes.
Cruzando a informação chegamos a um conhecimento mais global:
- Os estudantes avaliam cada ensino ou cada professor e o conjunto dos ensinamentos de um departamento ou faculdade, enfim todos os ensinamentos da universidade;
- Os professores analisam os mesmos itens, os relatórios dos estudantes sobre o ambiente da universidade no seu meio, os sistemas de seleção e promoção, maneira de trabalhar, condições, os meios de que dispõem e os serviços administrativos;
- Os ensinamentos e as pesquisas dos professores podem ser avaliados pela Reitoria e pelo Ministério.
É feita uma meta-avaliação, na qual os professores se pronunciam sobre a utilidade da avaliação realizada pelos alunos. Esta operação permitia ao professor acompanhar a evolução anualmente.
Com a mudança de reitoria este sistema foi abandonado por resistência de um grupo de professores, por ausência de repercussões dos investimentos educativos na carreira docente, pela fraqueza dos dispositivos de formação para os docentes e por insuficiente vontade politica.
Esta experiencia de avaliação circular, com características de prática complexa, pela co-construção da avaliação pelas partes envolvidas no ensino e uma forma de meta-avaliação, ou seja avaliação da avaliação.
Faltou a este dispositivo uma deliberação sobre as suas finalidades com a envolvência de representantes do meio. 
A avaliação dos sistemas educativos europeus é uma realidade, veicula ganhos consideráveis e contraditórios.
Procura a eficácia da ação educativa, traz riscos de normalização que só uma prática de autonomia pode eliminar mas depende da durabilidade do modelo social europeu.

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