quinta-feira, 7 de junho de 2012

TEMA IV
A REGULAÇÃO DOS SISTEMAS EDUCATIVOS
Ficha de Leitura



Barroso, João, O ESTADO, A EDUCAÇÃO E A REGULAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS



RESUMO: a evolução da intervenção do Estado na educação no quadro das transformações que ocorrem, em diferentes países, na regulação das políticas e da ação públicas. Modelo interpretativo para análise dos processos de regulação em educação.

Palavras-chave: Regulação. Estado e mercado. Regulação pós-burocrática. Escola pública.

A reforma e reestruturação do Estado, a partir dos anos 80 do século XX, constituíram um tema central, em vários países e está na origem de medidas políticas e legislativas, que afetaram a administração pública em geral e, consequentemente, a educação.
Exemplos: a descentralização; a autonomia das escolas; a livre escolha da escola pelos pais; do reforço de procedimentos de avaliação e prestação de contas; a diversificação da oferta escolar; a contratualização da gestão escolar e da prestação de determinados serviços; etc.
Na educação, promovem-se, discutem-se e aplicam-se medidas políticas e administrativas que vão, no sentido de alterar os modos de regulação dos poderes públicos no sistema escolar ou de substituir esses poderes públicos por entidades privadas, em muitos dos domínios que constituíam, um campo privilegiado da intervenção do Estado. Estas medidas podem obedecer (e serem justificadas), de um ponto de vista mais técnico, em função de critérios de modernização, desburocratização e combate à “ineficiência” do Estado (“new public management”), como serem justificadas por imperativos de natureza política, de acordo com projetos neoliberais e neoconservadores, com o fim de “libertar a sociedade civil” do controlo do Estado (privatização), ou mesmo de natureza filosófica e cultural (promover a participação comunitária, adaptar ao local) e de natureza pedagógica (centrar o ensino nos alunos e suas características específicas).

Muitas das referências que são feitas ao “novo” papel regulador do Estado servem para demarcar as propostas de “modernização” da administração pública das práticas tradicionais de controlo burocrático pelas normas e regulamentos que foram (e são ainda) apanágio da intervenção estatal. Neste sentido, a “regulação” (mais flexível na definição dos processos e rígida na avaliação da eficiência e eficácia dos resultados) seria o oposto da “regulamentação” (centrada na definição e controlo a priori dos procedimentos e relativamente indiferente às questões da qualidade e eficácia dos resultados).
Apesar de amplamente divulgada, esta distinção não é rigorosa e não traduz quer o significado original do termo regulação, quer o sentido com que é utilizado na linguagem científica.

A polissemia de um conceito
- a regulação - enquanto ato de regular significa o modo como se ajusta a ação (mecânica, biológica ou social) a determinadas finalidades,
- a regulação - traduzidas sob a forma de regras e normas previamente definidas. Neste sentido, a diferença entre regulação e regulamentação não tem que ver com a sua finalidade (uma e outra visam a definição e cumprimento das regras que operacionalizam objetivos), mas com o facto de a regulamentação ser um caso particular de regulação, uma vez que as regras estão codificadas (fixadas) sob a forma de regulamentos, acabando, por terem um valor em si mesmas, independente do seu uso.
O conceito de regulação está associado ao controlo de elementos autónomos mas interdependentes e, neste sentido, é usado, em economia, para identificar a intervenção de instâncias com autoridade legítima (normalmente estatais) para orientarem e coordenarem a ação dos agentes económicos (a regulação dos preços, a regulação do comércio, da energia etc.).
Para lá destas aceções mais correntes, a elucidação do significado de regulação conheceu um notável incremento com o desenvolvimento da teoria dos sistemas. De um modo geral, a regulação é vista como uma função essencial para a manutenção do equilíbrio de qualquer sistema (físico ou social) e está associada aos processos de retroação (positiva ou negativa). É ela que permite ao sistema, através dos seus órgãos reguladores, identificar as perturbações, analisar e tratar as informações relativas a um estado de desequilíbrio e transmitir um conjunto de ordens coerentes a um ou vários dos seus órgãos executores.
Se a regulação cibernética (Cibernética é uma tentativa de compreender a comunicação e o controle de máquinas, seres vivos e grupos sociais através de analogias com as máquinas eletrônicas (homeostatos, servomecanismos, etc.). Estas analogias tornam-se possíveis, na Cibernética, por esta estudar o tratamento da informação no interior destes processos como codificação edescodificação, retroação ou realimentação (feedback), aprendizagem, etc. Segundo Wiener (1968), do ponto de vista da transmissão da informação, a distinção entre máquinas e seres vivos, humanos ou não, é mera questão de semântica.) é vista como um conjunto de “reações de reajustamento do equilíbrio do sistema” (Rosnay, 1975, p. 30), ela pode ser alargada, ao próprio processo de transformação do sistema. É o que defende, Diebolt (2001) que, baseado na classificação hierárquica de níveis de regulação estabelecida por Piaget (1977, p. I-XIII), estabelece a distinção entre dois tipos de regulação complementares: as regulações conservadoras e as regulações transformadoras. No primeiro caso, “elas têm por única função assegurar a coerência, o equilíbrio e a reprodução idêntica do sistema” (p. 9). No segundo caso, elas desempenham uma tripla função: compreender como um sistema dá lugar a novas formas de organização; de que modo um processo de regulação dá origem ao seu sucessor; que interdependência se estabelece entre diferentes modos de regulação. Para Diebolt (2001, p. 10), a regulação define- se assim como: “(...) o conjunto de mecanismos que asseguram o desenvolvimento dum determinado sistema, através de um processo complexo de reprodução e transformação. Neste sentido, a regulação postula que a transformação de um sistema é a condição indispensável à manutenção da sua existência e coerência”.
O reconhecimento da existência, no interior do mesmo sistema, de vários dispositivos de regulação, com finalidades distintas, é proposto por Mehel (1974) que aplica a teoria dos sistemas à “análise científica dos fenómenos administrativo e educativo”. Para este autor, nos sistemas complexos finalizados verifica-se uma “tripla regulação”: uma pré-regulação e uma pós-regulação centralizadas e uma multi-regulação descentralizada que se pode chamar de co regulação:
Nos regimes políticos centralizados, a pré-regulação estatal é privilegiada. Os regimes “burocráticos” correspondem a uma hipertrofia da pré-regulação. A desconcentração (desenvolvimento dos sub-transductores) e a descentralização (desenvolvimento dos sub-selectores) tendem a desenvolver a co-regulação. Por fim, os mecanismos de pós-regulação são ilustrados por medidas conjunturais, como a adaptação do plano em curso de execução, a função jurisdicional etc. (Mehel, 1974, p. 36).

A regulação dos sistemas sociais
Apesar do enorme potencial descritivo e explicativo que a abordagem sistémica trouxe à compreensão dos sistemas sociais, é preciso evitar uma transposição automática das leis da cibernética construídas sobre sistemas físicos e biológicos para os sistemas sociais. Crozier & Friedberg (1977) que utilizam este tipo de abordagem para descrever a ação coletiva nas organizações (sistemas concretos de ação) advertem que o modelo subjacente à analogia cibernética é um modelo que ignora a dimensão estratégica, irredutivelmente imprevisível, do comportamento humano. Segundo estes autores, um sistema humano não obedece a regras precisas saídas de mecanismos automáticos de reajustamento, como acontece com os outros sistemas: (...) nos sistemas humanos que chamamos de sistemas concretos de ação, a regulação não se opera, de facto, nem por sujeição a um órgão regulador, nem pelo exercício dum constrangimento mesmo que inconsciente e muito menos por mecanismos automáticos de ajustamento mútuo, opera-se por mecanismo de jogos através dos quais os cálculos racionais “estratégicos” dos atores se encontram integrados em função de um modelo estruturado. Não são os homens que são regulados e estruturados, mas os jogos que lhes são oferecidos. (Crozier & Friedberg, 1977, p. 244)
É este, o sentido dado por Bauby (2002, p. 15) que, reportando-se aos sistemas sociais, define regulação como: Modos de ajustamento permanentes de uma pluralidade de ações e seus efeitos que permitem assegurarem, o equilíbrio dinâmico de sistemas instáveis (...). A regulação resulta do facto de que as regras não podem prever tudo e por isso devem ser interpretadas, postas em causa (numa adaptação perpétua em função das situações e dos objetivos). A regulação de um grupo social corresponde, às interações entre os interesses particulares de cada componente do grupo e o interesse comum ou geral do mesmo.
Maroy & Dupriez (2000) a propósito da regulação dos sistemas escolares consideram que, quando aplicada às organizações ou sistemas de ação organizada a regulação é a resultante da articulação (ou da transação) entre uma ou várias regulações de controlo e processos “horizontais” de produção de normas na organização. A regulação é entendida no sentido ativo de processo social de produção de “regras de jogo” permitindo resolver problemas de interdependência e de coordenação. (Maroy & Dupriez, op. cit., p. 76)
Nos trabalhos de Reynaud (1997 e 2003) é possível identificar três dimensões complementares do processo de regulação dos sistemas sociais: a regulação institucional, normativa e de controlo; a regulação situacional, ativa e autónoma; e a “regulação conjunta”.
A regulação institucional -  a regulação é “o conjunto de ações decididas e executadas por uma instância (governo, hierarquia de uma organização) para orientar as ações e as interações dos atores sobre os quais detém uma certa autoridade” (Maroy e Dupriez, 2000). Esta definição põe em evidência, (no conceito de regulação), as dimensões de coordenação, controlo e influência exercidas pelos detentores de uma autoridade legítima, sendo próxima da aceção que prevalece na literatura americana (no domínio da economia e da educação) enquanto intervenção das autoridades públicas para introduzir “regras” e “constrangimentos” no mercado ou na ação social.
A regulação situacional - a regulação é vista, como um processo ativo de produção de “regras de jogo” (Reynaud, 1997) que compreende não só a definição de regras (normas, injunções, constrangimentos, etc.) que orientam o funcionamento do sistema, mas também o seu (re) ajustamento provocado pela diversidade de estratégias e ações dos vários atores, em função dessas mesmas regras. De acordo com esta abordagem, num sistema social complexo (como é o sistema educativo) existe uma pluralidade de fontes, de finalidades e modalidades de regulação, em função da diversidade dos atores envolvidos, das suas posições, dos seus interesses e estratégias (Barroso, 2000).
A “regulação conjunta”- significa a interação entre a regulação de controlo e a regulação autônoma, tendo em vista a produção de regras comuns (Reynaud, 2003). Dubet, também fala de “regulação normativa” (produção de normas pelo Estado, tendo em vista mudanças voluntárias através da interiorização e socialização dessas mesmas normas pelos indivíduos) e “regulação sistémica” (processo pelo qual o sistema social se reproduz e transforma, através de efeitos não necessariamente intencionais, como os efeitos de composição). De referir, que, como afirma Bettencourt (2004, p. 53):
Nas ciências sociais, as teorias não conflituais, vêem no ajustamento [entre
os diferentes actores envolvidos no processo de regulação] a procura de um
equilíbrio social óptimo. Elas reforçam a ideia corrente de regulação como
a obtenção de um funcionamento “correcto”. Pelo contrário, segundo as
abordagens políticas, a regulação não assegura nem a harmonia, nem a estabilização
rigorosa, nem a optimização, porque a elaboração e a aplicação
das regras é uma disputa social e dá lugar a conflitos, quer abertos e violentos,
quer instituídos quer escondidos.

Contextos linguísticos
A utilização do termo “regulação” nos estudos internacionais sobre políticas educativas varia conforme os contextos linguístico e administrativo dominante.
Num primeiro contexto, a ocorrência do termo regulação aparece associada ao debate sobre a reforma da administração do Estado na educação e sua modernização. Acontece num contexto linguístico francófono e em países onde ainda predomina uma administração muito centralizada e burocratizada. A referência à “regulação” aparece como resultado de um certo efeito de moda (ou aggiornamento linguístico), com o fim de reforçar a imagem de um Estado menos prescritivo e regulamentador e de uma “nova administração pública” que substitui um controlo direto e a priori sobre os processos, por um controlo remoto, e a posteriori baseado nos resultados. A referência a um “Estado regulador” pressupõe,o reconhecimento e a existência de unidades autónomas no sistema e é utilizada como expressão de uma certa modernização da administração da educação pública que evolui, como sublinha Demailly (2001) falando do caso francês, de um quadro normativo baseado na “obrigação de meios” para um outro, baseado na “obrigação de resultados”. Um exemplo, desta utilização do conceito de “regulação” encontra-se na citação seguinte retirada das conclusões de um estudo sobre as tendências evolutivas das políticas educativas no Canadá, Estados Unidos, França e Reino Unido (Lessard, Brassard & Lusignan, 2002, p. 35): O Estado não se retira da educação. Ele adota um novo papel, o do Estado regulador e avaliador que define as grandes orientações e os alvos a atingir, ao mesmo tempo que monta um sistema de monitorização e de avaliação para saber se os resultados desejados foram, ou não, alcançados. Se, por um lado, ele continua a investir uma parte considerável do seu orçamento em educação, por outro, ele abandona parcialmente a organização e a gestão quotidiana, funções que transfere para os níveis intermediários e locais, em parceria e concorrência com atores privados desejosos de assumirem uma parte significativa do “mercado” educativo.
Num segundo contexto, a ocorrência do termo regulação aparece predominantemente associada, por oposição, ao conceito de “desregulação”. Neste caso, a oposição regulação/desregulação, pretende sublinhar uma rutura com os modelos “tradicionais” de intervenção do Estado na coordenação e pilotagem do sistema público de educação. Ocorre sobretudo num contexto linguístico anglo-saxónico e em países, onde se verificaram mudanças políticas de cariz conservador e neoliberal. Nestes países o que está em causa não é uma simples alteração dos modos de regulação pelo Estado, mas a substituição parcial da regulação estatal por uma regulação de iniciativa privada através da criação de quase-mercados educacionais. Trata-se, como escreve Gintis (1995), de substituir um “governo apostado na produção direta de bens e serviços”, por um governo que visa, preferencialmente, a regulação da produção e da distribuição desses bens e serviços, que são fornecidos, no quadro de um sistema competitivo, por outras entidades. Como afirma o mesmo autor, “o uso do mercado tem, neste contexto, um sentido mais instrumental, do que alternativo a um processo de decisão democrática” (p. 19). Neste sentido, a “regulação” (entendida como a intervenção das autoridades governamentais na prestação de um serviço público) é vista como um “movimento” oposto à “privatização” (entendida como a transferência para autoridades não-governamentais, com fins ou sem fins lucrativos, do controlo e prestação desses mesmos serviços).

Um modelo interpretativo

Em que consiste a regulação enquanto modo de coordenação dos sistemas educativos (ver, a este propósito, Barroso, 2005):
- A regulação é um processo constitutivo de qualquer sistema e tem por principal função assegurar o equilíbrio, a coerência mas também a transformação desse mesmo sistema.
- O processo de regulação compreende, não só, a produção de regras (normas, injunções, constrangimentos etc.) que orientam o funcionamento do sistema, mas também o (re) ajustamento da diversidade de ações dos atores em função dessas mesmas regras.
- Num sistema social complexo (como é o sistema educativo) existe uma pluralidade de fontes (centro/periferia, interno/externo, ator A/ator B etc.), de finalidades e modalidades de regulação, em função da diversidade dos atores envolvidos, das suas posições, dos seus interesses e estratégias.
- A regulação do sistema educativo não é um processo único, automático e previsível, mas sim um processo compósito que resulta mais da regulação das regulações, do que do controlo direto da aplicação de uma regra sobre ação dos “regulados”.
-No quadro do sistema público de ensino, o Estado constitui uma fonte essencial de regulação, não é a única, nem por vezes a mais decisiva nos resultados finais obtidos.
Muitos autores, oriundos da sociologia crítica, afirmam que vivemos um período de “des-regulação” do sistema educativo, ou como defende Ball (2001), de simples “re-regulação”.
- A diversidade de fontes e modos de regulação faz com que a coordenação, equilíbrio ou transformação do funcionamento do sistema educativo resultem mais da interação dos vários dispositivos reguladores do que da aplicação linear de normas, regras e orientações oriundas do poder político. Por isso deve falar-se de “multi-regulação”, já que as ações que garantem o funcionamento do sistema educativo são determinadas por um feixe de dispositivos reguladores que muitas vezes se anulam entre si, ou pelo menos, relativizam a relação causal entre princípios, objetivos, processos e resultados. Os ajustamentos e reajustamentos a que estes processos de regulação dão lugar não resultam de um qualquer imperativo (político, ideológico, ético) definido a priori, mas sim dos interesses, estratégias e lógicas de ação de diferentes grupos de atores, por meio de processos de confrontação, negociação e recomposição de objetivos e poderes.
- Se entendermos a “regulação do sistema educativo” como um “sistema de regulações” torna-se necessário valorizar, no funcionamento desse sistema, o papel fundamental das instâncias (indivíduos, estruturas formais ou informais) de mediação, tradução, passagem dos vários fluxos reguladores, onde se faz a síntese ou se superam os conflitos entre as várias regulações existentes. Estas instâncias funcionam como uma espécie de “nós da rede” de diferentes reguladores e a sua intervenção é decisiva para a configuração da estrutura e dinâmica do sistema de regulação e seus resultados.
- Esta verificação da complexidade dos processos de regulação do funcionamento do sistema educativo, da dificuldade de prever (e orientar) com um mínimo de segurança e de certeza a direção que vai tomar, tornam bastante improvável o sucesso de qualquer estratégia de transformação baseada num processo normativo de mudança, como são as reformas.
De registar ainda que essa improbabilidade é tanto maior quanto não existe hoje qualquer consenso quanto aos princípios e normas (no sentido lato) que devem orientar o funcionamento do sistema, nem a sua transformação.
- Como é evidente, a multiplicidade de processos de regulação e a sua difícil compatibilização tornam não só problemáticas as próprias noções de “equilíbrio” e “coerência”, intrínsecas a qualquer sistema, como põem em causa a própria possibilidade de existência de “um sistema nacional” de ensino. A tentativa de superar esta situação está na origem de diferentes propostas ou medidas de política educativa, que se podem consubstanciar nas seguintes modalidades (de natureza e propósitos políticos diferentes): segmentação do sistema nacional de ensino em subsistemas locais relativamente independentes; substituição da regulação das estruturas e dos processos pela autorregulação das pessoas; construção de acordos ou compromissos sobre a natureza e finalidades do bem comum educativo, que permitam a convergência dos diversos processos de regulação.
Os novos modos de regulação das políticas educativas; as principais conclusões de um projeto europeu de investigação (cuja equipa portuguesa coordenei) e que teve como principal objetivo realizado. Nesta secção irei apresentar, de modo muito sumário. Este projeto, intitulado Changes in regulation modes and social production of inequalities in educational systems: a European comparison e designado pelo acrónimo Reguleducnetwork, decorreu entre Outubro de 2001 e Outubro de 2004 e abrangeu cinco países europeus: Bélgica (francófona), França, Hungria, Portugal e Reino Unido (só a Inglaterra e País de Gales).
Os trabalhos de investigação incidiram, na descrição e análise dos diferentes modos de regulação dos sistemas educativos dos países envolvidos, em três níveis: nível nacional, centrando o estudo na regulação de carácter institucional; nível intermédio, incidindo sobre as instâncias de regulação que operam em territórios intermédios do sistema educativo (entre o nacional e o local); e, finalmente, o Nível local, que se refere ao estudo dos modos de regulação interna das Convergências e divergências.
 Podemos resumir as principais conclusões:
- Apesar de diferenças importantes nas características dos seus sistemas escolares e modos de coordenação, os cinco países estudados tiveram, até à década de 80 do século passado, um modelo de regulação das políticas educativas comuns. Esse modelo, designado por burocrático-profissional, baseava-se numa “aliança” entre o Estado e os professores, combinando uma regulação “estatal, burocrática e administrativa” com uma regulação “profissional, corporativa e pedagógica” (ver, a este propósito, Barroso, 2000 e 2002).
As políticas atuais caracterizam-se por uma oposição a este modelo burocrático-profissional e convergem parcialmente em trajetórias que tendem a impulsionar modelos de governança e de regulação que se podem designar por pós-burocráticos.
Estes modelos organizam-se em torno de dois referenciais principais: o do “Estado avaliador” e o do “quase-mercado”.
Estas convergências resultam de diversos fatores, em particular: o desenvolvimento da globalização económica e do pós-fordismo; crise da legitimidade e da racionalidade do Estado Providência e emergência de referenciais políticos neoliberais; procura crescente por parte de diferentes grupos sociais de percursos educativos individualizados e de possibilidade de escolha para a escolarização dos seus filhos; contaminação e externalização das políticas nacionais (Afonso, 2003; Barroso, 2003c).
Apesar desta convergência em direção a um modelo de regulação pós-burocrática, verifica-se que na realidade dos sistemas escolares dos países estudados se encontram diferentes cambiantes deste processo. Estas divergências resultam, dos diferentes contextos de partida em cada país (político, económico, histórico etc.); da hibridação dos novos modos de regulação com a situação existente; dos processos de sedimentação legislativa e das lógicas políticas aditivas.
Algumas especificidades nacionais
As tendências de convergência abrangem, o conjunto dos cinco países em estudo, embora com especificidades que decorrem dos diferentes contextos nacionais. Assim em Portugal e na França as transformações processam-se mais lentamente e de maneira menos radical. Em contrapartida, na Inglaterra e na Bélgica (francófona) a evolução para modelos de regulação pós-burocráticos é mais acentuada, encontrando-se a Hungria numa posição intermédia. De registar ainda que a situação específica de Portugal e da França se fica a dever, em certa medida, à importância que continua a ter, nestes países, o referencial tradicional da “escola pública” e ao peso que a administração central preserva na estrutura do poder do Estado.
A tentativa de equilíbrio centralização/ descentralização, verifica-se que nos países de tradição centralista
(França, Hungria, Portugal) a evolução faz-se no sentido de aumentar o poder de decisão ao nível intermédio ou local, ao passo que na Inglaterra e Bélgica francófona (países tradicionalmente descentralizados) se assiste, a um reforço dos mecanismos de controlo centrais (sobretudo ao nível do currículo e da avaliação) e à perda de influência das autoridades municipais.
A França e a Inglaterra são os países onde os processos de avaliação externa das escolas e do sistema estão mais desenvolvidos e são mais sofisticados. França – departamento central do Ministério da Educação (DEP) e Inglaterra - uma agência nacional independente (OFSTED). Inglaterra - os efeitos da avaliação têm mais incidência no funcionamento das escolas (que podem encerrar ou serem sujeitas a programas especiais de reconversão).
Nos outros países, incluindo a França, a incidência da avaliação como mecanismo de correção é muito menor e, por vezes, tem um efeito meramente simbólico.
Quanto à “livre escolha” da escola pelos pais, ela é praticada desde há muito na Bélgica francófona e tem vindo a aumentar grandemente na Inglaterra por meio de um político estatal voluntarista de criação de um “quase-mercado” escolar. Em França e em Portugal ainda subsiste a “carta escolar” (com obrigação de frequência da escola em função do local de residência), mas ela é atenuada na prática, devido à pressão de pais oriundos da classe média, que aproveitam a baixa demográfica e a maior disponibilidade da oferta para desenvolverem estratégias de individualização dos percursos escolares dos seus filhos. De registar, que nestes dois países o abrandamento dos critérios de “sectorização” escolar parece não pôr em causa uma vontade política de preservar a natureza igualitária da oferta educativa. Na Hungria coexistem os dois sistemas com uma clara elitização do sistema de escolha, que privilegia grupos sociais mais favorecidos.
Em síntese
Como é assinalado no Relatório Final do Projecto Reguleducnetwork (Maroy, 2004), as políticas educativas dos cinco países estudados inspiram- se de um modo geral nos modelos pós-burocráticos, em particular do “Estado avaliador”. Contudo, o grau de intensidade das políticas postas em prática e a dosagem entre os diversos modelos são muito variados.
A situação mais radical encontra-se na Inglaterra, onde se verifica uma política voluntarista de criação de um “quase-mercado” educativo.
O controlo central e a lógica mercantil reforçaram-se em detrimento da capacidade de intervenção das autoridades locais. Neste país, a partir do início dos anos 80 do século passado, por iniciativa dos governos conservadores, retomada pelos governos trabalhistas, o poder central desenvolveu uma política substancial de intervencionismo incitando a competição entre as escolas e favorecendo a “livre escolha” pelos pais, nomeadamente por meio do alargamento dos dispositivos de avaliação externa e maior informação dos resultados às famílias.
Os outros países conhecem evoluções menos radicais e menos dependentes de políticas voluntaristas e são menos influenciados pelo modelo do “quase-mercado”. A avaliação externa é embrionária ou sem consequências e a escolha da escola é mais tolerada do que promovida.
Apesar de prevalecer uma política oficial que privilegia a “modernização” da administração escolar sem pôr em causa os valores da igualdade de oportunidades, o certo é que muitas das medidas tomadas favorecem a introdução de uma lógica de mercado na prestação do serviço educativo, cujos efeitos contrariam claramente esses princípios. Além disso, a crítica ao centralismo, à burocracia e ao défice de qualidade dos serviços públicos é aproveitada pelos defensores das políticas neoliberais para reclamarem a diminuição da intervenção do Estado e a privatização da prestação do serviço educativo, como única solução para os problemas com que se debate atualmente a escola pública.
Da crise do estado à defesa da escola pública
O século XX foi dominado, como refere Fukuyama (2004), por uma controvérsia política permanente em torno das questões da natureza, poder, dimensão e campo de ação do Estado. Iniciou-se sob os auspícios do “liberalismo” britânico (com a ausência quase total da intervenção do Estado).
Principalmente após a Segunda Guerra Mundial assistiu-se a um crescente aumento do poder e intervenção do Estado (quer sob a forma perversa dos totalitarismos, quer sob a forma protetora e desenvolvimentista do Estado Providência). Finalmente, a partir dos anos de 1980, através do tatcherismo e do regganismo, assistiu-se ao surgimento das chamadas “políticas neoliberais” (com a redução do papel do Estado e a criação de mercados, ou quase-mercados, nos sectores tradicionalmente públicos – saúde, educação, transportes etc.). Estas “políticas neoliberais” afetaram diretamente muitos outros países e foram adotadas como referenciais para os programas de desenvolvimento conduzidos pelas grandes organizações internacionais (FMI, Banco Mundial, OCDE etc.) no que foi designado por “consenso de Washington”, cujas principais “receitas” passavam por: disciplina orçamental, reforma fiscal, eliminação das barreiras às trocas internacionais, privatização e desregulamentação, com o consequente apagamento da intervenção do Estado. Com o virar do milênio, assiste-se a um recuo das teorias mais radicais do neoliberalismo e à emergência de propostas alternativas que vão no sentido de procurar um equilíbrio entre o “Estado” e o “mercado”, ou mesmo no sentido de superar esta dicotomia pela reativação de formas de intervenção sociocomunitária na gestão da coisa pública.
O neoliberalismo educativo
No domínio da educação, a influência das ideias neoliberais fez-se sentir quer por meio de múltiplas reformas estruturais, de dimensão e amplitude diferentes, destinadas a reduzir a intervenção do Estado na provisão e administração do serviço educativo, quer por meio de retóricas discursivas, de crítica ao serviço público estatal e de “encorajamento do mercado”. Este “encorajamento do mercado” traduz-se, sobretudo, na subordinação das políticas de educação a uma lógica estritamente económica (“globalização”); na importação de valores (competição, concorrência, excelência etc.) e modelos de gestão empresarial, como referentes para a “modernização” do serviço público de educação; na promoção de medidas tendentes à sua privatização.
Como afirma Nóvoa (1998, p. 108), falando das “racionalidades” do discurso educativo da Comissão Europeia, na década de 1990:
“A racionalidade económica acompanha-se duma orientação neoliberal que serve de enquadramento ao discurso da privatização, da liberdade de escolha e mesmo da participação. No livro branco “Crescimento, competitividade e emprego” defende-se a necessidade duma maior implicação do sector privado nos sistemas de educação e/ou formação profissional e na formulação das políticas de educação para ter em conta as necessidades do mercado de trabalho e as circunstâncias locais.”
Assiste-se à tentativa de criar mercados (ou quase-mercados) educativos transformando a ideia de “serviço público” em “serviços para clientes”, onde o “bem comum educativo” para todos é substituído por “bens” diversos, desigualmente acessíveis. Sob a aparência de um mercado único, funcionam diferentes submercados onde os “consumidores” de educação e formação, socialmente diferenciados, vêm-lhes serem propostos produtos de natureza e qualidade desiguais. Para estimular a criação destes mercados, o financiamento da educação (mesmo se à custa do erário público) é dirigido às famílias pelo sistema de “vouchers”, ou equivalente, e procede-se à privatização parcial ou total da propriedade ou da gestão das escolas (ver, a este propósito, Barroso,2003b). O objetivo central já não é adequar a educação e o emprego, mas articular o “mercado da educação” com o “mercado de emprego”, nem que para isso seja necessário criar um “mercado dos excluídos” (para utilizar a expressão de Dominique Glassman).
Neste contexto de incertezas, os critérios e opções de financiamento deixam de ser objeto de uma planificação que traduza escolhas políticas definidas pelo Estado e passam a ser confiados à “mão invisível” do mercado em função de objetivos de eficácia, qualidade e excelência definidos de maneira unívoca pelas regras da concorrência. Depois do “tudo Estado” passou-se para o “tudo mercado”! Como dizem Tyack & Cuban (1995, p. 142) a propósito da situação existente nos Estados Unidos:
“Nesta última geração, o discurso sobre a escola pública tornou-se extremamente limitado. Passou a estar centrado na competição económica internacional, nos resultados dos testes, e na “escolha” individual da escola. Mas, em contrapartida, negligenciou por completo o tipo de escolhas que são essenciais para o bem-estar cívico: escolhas coletivas sobre um futuro comum, escolhas feitas, através de processos democráticos, sobre os valores e os conhecimentos que os cidadãos querem passar para a próxima geração.”
A crise do modelo neoliberal
A euforia “neoliberal” dos anos de1980 e princípios dos anos de 1990 parece estar a enfraquecer no seio das grandes organizações internacionais (Banco Mundial, OCDE etc.). As receitas do “consenso de Washington” começam a ser postas em causa com as experiências dolorosas dos países europeus do “antigo bloco de leste” ou dos “tigres” asiáticos ou das “economias emergentes” da América Latina.
É neste contexto que se começa a assistir a uma redefinição das relações entre economia e política no quadro dos processos de desenvolvimento em geral.
Como afirma a este propósito Boyer (2001, p. 49-50), “Por um lado, sabemos hoje, o sucesso do desenvolvimento resulta da complementaridade destas duas lógicas [estado/mercado] e não, na afirmação de uma delas. É preciso lembrar que o mercado é uma construção social cuja emergência e viabilidade supõem um conjunto rico e complexo de regras jurídicas, códigos e autoridades encarregadas do seu bom funcionamento.
Por outro lado, as investigações institucionalistas contemporâneas sublinham que formas institucionais intermédias entre o Estado e o mercado, como as associações, as comunidades, os partenariados, (...) podem desempenhar um papel determinante na conciliação dos imperativos de eficácia dinâmica, isto é, um crescimento da produtividade e do nível de vida, com os imperativos de justiça social, na ocorrência uma repartição não excessivamente desigual dos dividendos do crescimento”.
No mesmo sentido vai a Comissão Europeia quando procura definir e regulamentar aquilo que designa por “serviços de interesse geral” e que visa “atingir objetivos de serviço público no seio de mercados abertos e concorrenciais” (Livro Branco). Estes serviços abrangem serviços de interesse económico e não económico.
Este movimento contra os “excessos de liberalismo” e a favor da necessidade de preservar a existência de um Estado forte (ainda que com um campo de ação mais limitado) surge entre os defensores das posições mais ortodoxas do “consenso de Washington”, como é o caso de Francis Fukuyama (principalmente conhecido no início dos anos de 1990 pelo seu livro O fim da história) e que agora (em 2004, p. 23) escreve num livro sugestivamente chamado State building governance and world order: (...) se é certo que era preciso reduzir o peso do Estado em certos domínios [como propunha o “consenso de Washington”], era preciso, ao mesmo tempo, reforçá-lo em outros. Os economistas que defenderam as reformas liberais compreendiam isto em teoria, mas a tónica foi posta, neste período, na redução das atividades do Estado, o que se podia confundir facilmente (ou ser voluntariamente mal interpretado) com um esforço para reduzir as capacidades e as competências do Estado. Deste modo, foi descurada a reflexão e a atenção ao programa de “construção do Estado” (state building) que era, pelo menos, tão importante como o programa que visava a sua redução. O resultado foi que a reforma económica de tendência liberal fracassou na concretização das suas promessas, em inúmeros países. Em alguns deles, a ausência de um quadro institucional apropriado pô-los numa situação ainda pior do que antes da “liberalização”. Importa, ainda, assinalar que, para além deste recuo dos defensores do neoliberalismo (perante o insucesso das suas receitas) e da tentativa de encontrar a “justa medida” entre Estado e mercado como estas tendências indiciam, há os que defendem (como eu tenho feito desde há muito, na educação) que não podemos ficar prisioneiros da falsa dicotomia entre estes dois modelos. Por isso, é preciso revitalizar outras modalidades de regulação da ação pública. Como diz Whitty (2002, p. 20) a este propósito: (...) nem o Estado, nem a sociedade civil constituem um contexto adequado para o exercício de uma cidadania ativa e democrática, através da qual seja alcançada a justiça social. A reafirmação dos direitos dos cidadãos em educação parece exigir o desenvolvimento de uma nova esfera pública, algures entre o Estado e a sociedade civil mercantilizada, em que novas formas de associação coletiva possam ser desenvolvidas. O desafio reside em saber como sair de um processo de decisão atomizado, para o assumir de uma responsabilidade coletiva em educação, mas sem recriar um sistema de planificação supercentralizado (...).
Defender e promover a escola pública
Estamos em pleno processo de recomposição das relações entre Estado e mercado, no que se refere ao fornecimento e financiamento dos serviços públicos, incluindo, a educação.
Contudo, por muito estimulantes que sejam as teorias e as estratégias da complementaridade dos modelos e da variedade de situações em que podem ser aplicados, é importante não esquecer que, para lá das soluções técnicas, há sempre que saber colocar as questões políticas. Isso obriga, como afirma Rui Canário (2002, p. 150), a “pensar a escola a partir de um projeto de sociedade” e, para isso, precisamos aprender a “pensar a partir não dos meios disponíveis, mas das finalidades a atingir” (idem, ibid., p. 151), ou como recomenda Paulo Freire a “problematizar o futuro” sem o considerar como “inexorável”.
É por isso que, independentemente da alteração das formas de regulação e da variação do peso relativo dos vários níveis e atores, qualquer mudança neste domínio não pode ser vista independentemente de um projeto político nacional que tem de passar pela promoção e defesa dos princípios fundadores da “escola pública” (enquanto garantia da aquisição e distribuição equitativa de um bem comum educativo). Entre esses princípios quero destacar: a universalidade do acesso, a igualdade de oportunidades e a continuidade dos percursos escolares. Estes princípios obrigam a que escola seja sábia para educar (permitindo a emancipação pelo saber), reta para integrar as crianças e os jovens na vida social (por meio da partilha de uma cultura comum) e justa (participando na função social de distribuição de competências).
Em muitos casos, estes princípios não tiveram correspondência nas políticas, nas formas de organização, no currículo e nos métodos pedagógicos, em que assenta a escola de massas, ao longo da sua evolução histórica e no seu processo de expansão à escala planetária. Contudo, há que reconhecer, o desenvolvimento da humanidade, principalmente neste último século, ficou a dever muito à expansão da escola pública, e a sua crise atual não deve servir para negar a validade dos seus princípios e do ideal de educação que lhes estão subjacentes, nem justifica o recurso ao modelo do mercado como alternativa para a regulação e provisão do serviço público educativo.
Falta ao mercado a sensibilidade social que permita atender aos que, pelas mais diversas razões, exigem mais tempo, mais dinheiro e melhores recursos para obterem o sucesso educativo a que têm direito. Por outro, o Estado social não pode estar limitado (como querem os defensores de políticas neoliberais neste domínio) a cumprir as funções de “carro-vassoura” dos excluídos que o mercado enjeita (por questões de rentabilidade e eficácia). E, aqui, o recurso à metáfora do “carro-vassoura” justifica-se plenamente, por ser aquele que recolhe os que são obrigados a desistir, por não conseguirem acompanhar o andamento dos outros. Defendo que, no contexto atual da crise do Estado Providência (e do modelo social a que deu origem), se torna necessário reforçar a dimensão pública da escola pública, o que obriga a reafirmar os seus valores fundadores, perante a difusão transnacional de uma vulgata neoliberal que vê no serviço público a origem de todos os males da educação e na sua privatização a única alternativa (Barroso,
2004a).Defendo, igualmente, que a falência atual do modelo de regulação burocrático-profissional, que serviu de base à expansão da escola pública no passado, obriga a procurar novas formas organizativas (pedagógicas e educativas) e novas modalidades de regulação e de intervenção que permitam:
- a recriação da escola como espaço público de decisão coletiva, baseada numa nova conceção de cidadania que, como diz Whitty, “vise criar a unidade sem negar a diversidade”; que o Estado continue a assegurar, como lhe compete, a “manutenção da escola num espaço de justificação política” (Derouet, 2003), sem que isso signifique ser o Estado o detentor único da legitimidade dessa justificação.
É este o grande desafio que se coloca a todos os que continuam a acreditar na necessidade de provermos coletivamente um serviço público que garanta o pleno direito à educação e o acesso a uma cultura comum, para todas as crianças e jovens, em condições de equidade, de igualdade de oportunidades e de justiça social.
Neste sentido, a “defesa da escola pública” passa, por desmontar o carácter pretensamente “neutro” da introdução de uma lógica de mercado na educação, denunciando a sua “ética” perversa e a sua intencionalidade política e, por outro, fazer da definição e regulação das políticas educativas um processo de construção coletiva do bem comum que à educação cabe oferecer, em condições de igualdade e justiça social, a todos os cidadãos.
Podemos concluir que a repolitização da educação, a multiplicação das instâncias e momentos de decisão, a diversificação das formas de associação no interior dos espaços públicos e o envolvimento de um maior número de atores conferem ao sistema de regulação da educação uma complexidade crescente. Esta complexidade exige um papel renovado para a ação do Estado, com o fim de compatibilizar o desejável respeito pela diversidade e individualidade dos cidadãos, com a prossecução de fins comuns necessários à sobrevivência da sociedade – de que a educação é um instrumento essencial. Essa compatibilização só é possível com o reforço das formas democráticas de participação e decisão, o que, nas sociedades contemporâneas, exige cada vez mais uma qualificada e ampla informação, a difusão de instâncias locais e intermédias de decisão, uma plena inclusão de todos os cidadãos (particularmente dos que até aqui têm sido sistematicamente excluídos, do interior e do exterior). Só assim é possível “estabelecer um acordo sobre uma base comum suficientemente generosa, atrativa e plausível que possa unificar os cidadãos no apoio à escola pública” e que Tyack & Cuban (1995, p. 142) consideram ser “uma necessidade crucial do nosso tempo”.

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