TEMA IV
A REGULAÇÃO DOS SISTEMAS EDUCATIVOS
A REGULAÇÃO DOS SISTEMAS EDUCATIVOS
Ficha de Leitura
RESUMO: a evolução da intervenção do Estado na educação no quadro das
transformações que ocorrem, em diferentes países, na regulação das políticas
e da ação públicas. Modelo interpretativo para análise dos processos de
regulação em educação.
Palavras-chave: Regulação.
Estado e mercado. Regulação pós-burocrática. Escola pública.
A reforma e reestruturação do Estado, a partir dos anos 80 do
século XX, constituíram um tema central, em vários países e está na origem de
medidas políticas e legislativas, que afetaram a administração pública em geral
e, consequentemente, a educação.
Exemplos: a
descentralização; a autonomia das escolas; a livre escolha da escola pelos
pais; do reforço de procedimentos de avaliação e prestação de contas; a
diversificação da oferta escolar; a contratualização da gestão escolar e da
prestação de determinados serviços; etc.
Na educação, promovem-se, discutem-se e aplicam-se medidas
políticas e administrativas que vão, no sentido de alterar os modos de regulação
dos poderes públicos no sistema escolar ou de substituir esses poderes públicos
por entidades privadas, em muitos dos domínios que constituíam, um campo
privilegiado da intervenção do Estado. Estas medidas podem obedecer (e serem
justificadas), de um ponto de vista mais técnico, em função de critérios de modernização,
desburocratização e combate à “ineficiência” do Estado (“new public management”),
como serem justificadas por imperativos de natureza política, de acordo com
projetos neoliberais e neoconservadores, com o fim de “libertar a sociedade
civil” do controlo do Estado (privatização), ou mesmo de natureza filosófica e
cultural (promover a participação comunitária, adaptar ao local) e de natureza
pedagógica (centrar o ensino nos alunos e suas características específicas).
Muitas das referências que são feitas ao
“novo” papel regulador do Estado servem para demarcar as propostas de “modernização”
da administração pública das práticas tradicionais de controlo burocrático pelas
normas e regulamentos que foram (e são ainda) apanágio da intervenção estatal.
Neste sentido, a “regulação” (mais flexível na definição dos processos e rígida
na avaliação da eficiência e eficácia dos resultados) seria o oposto da
“regulamentação” (centrada na definição e controlo a priori dos procedimentos
e relativamente indiferente às questões da qualidade e eficácia dos
resultados).
Apesar de amplamente divulgada, esta
distinção não é rigorosa e não traduz quer o significado original do termo
regulação, quer o sentido com que é utilizado na linguagem científica.
A polissemia de um conceito
- a regulação - enquanto ato de regular significa o modo como se ajusta a ação
(mecânica, biológica ou social) a determinadas finalidades,
- a regulação - traduzidas sob a forma de
regras e normas previamente definidas. Neste sentido, a diferença entre
regulação e regulamentação não tem que ver com a sua finalidade (uma e outra
visam a definição e cumprimento das regras que operacionalizam objetivos), mas
com o facto de a regulamentação ser um caso particular de regulação, uma vez que
as regras estão codificadas (fixadas) sob a forma de regulamentos, acabando,
por terem um valor em si mesmas, independente do seu uso.
O conceito de regulação está associado
ao controlo de elementos autónomos mas interdependentes e, neste sentido, é
usado, em economia, para identificar a intervenção de instâncias com autoridade
legítima (normalmente estatais) para orientarem e coordenarem a ação dos
agentes económicos (a regulação dos preços, a regulação do comércio, da energia
etc.).
Para lá destas aceções mais correntes, a
elucidação do significado de regulação conheceu um notável incremento com o desenvolvimento
da teoria dos sistemas. De um modo geral, a regulação é vista como uma função
essencial para a manutenção do equilíbrio de qualquer sistema (físico ou
social) e está associada aos processos de retroação (positiva ou negativa). É
ela que permite ao sistema, através dos seus órgãos reguladores, identificar as
perturbações, analisar e tratar as informações relativas a um estado de
desequilíbrio e transmitir um conjunto de ordens coerentes a um ou vários dos
seus órgãos executores.
Se a regulação cibernética (Cibernética é uma tentativa de compreender a comunicação e o controle de máquinas, seres vivos
e grupos sociais através de analogias com as máquinas eletrônicas (homeostatos, servomecanismos,
etc.). Estas analogias tornam-se possíveis, na Cibernética, por esta estudar o
tratamento da informação no interior destes processos como codificação edescodificação, retroação ou realimentação (feedback),
aprendizagem, etc. Segundo Wiener (1968), do ponto de vista da transmissão da
informação, a distinção entre máquinas e seres vivos, humanos ou não, é mera
questão de semântica.) é vista como um conjunto de “reações de reajustamento do equilíbrio do sistema”
(Rosnay, 1975, p. 30), ela pode ser alargada, ao próprio processo de transformação do sistema. É o
que defende, Diebolt (2001) que, baseado na
classificação hierárquica de níveis de regulação estabelecida por Piaget (1977,
p. I-XIII), estabelece a distinção entre dois tipos de regulação
complementares: as regulações
conservadoras e as regulações transformadoras. No primeiro caso, “elas têm por
única função assegurar a coerência, o equilíbrio e a reprodução idêntica do
sistema” (p. 9). No segundo caso, elas desempenham uma tripla função: compreender
como um sistema dá lugar a novas formas de organização; de que modo um processo
de regulação dá origem ao seu sucessor; que interdependência se estabelece
entre diferentes modos de regulação. Para Diebolt (2001, p. 10), a regulação define- se assim como: “(...) o
conjunto de mecanismos que asseguram o desenvolvimento dum determinado sistema,
através de um processo complexo de reprodução e transformação. Neste sentido, a
regulação postula que a transformação de um sistema é a condição indispensável
à manutenção da sua existência e coerência”.
O reconhecimento da existência, no
interior do mesmo sistema, de vários dispositivos de regulação, com finalidades
distintas, é proposto por Mehel (1974) que aplica a teoria dos sistemas à
“análise científica dos fenómenos administrativo e educativo”. Para este autor,
nos sistemas complexos finalizados verifica-se uma “tripla regulação”: uma pré-regulação
e uma pós-regulação centralizadas e uma multi-regulação descentralizada que se
pode chamar de co regulação:
Nos regimes políticos centralizados, a
pré-regulação estatal é privilegiada. Os regimes “burocráticos” correspondem a
uma hipertrofia da pré-regulação. A desconcentração (desenvolvimento dos
sub-transductores) e a descentralização (desenvolvimento dos sub-selectores)
tendem a desenvolver a co-regulação. Por fim, os mecanismos de pós-regulação
são ilustrados por medidas conjunturais, como a adaptação do plano em curso de
execução, a função jurisdicional etc. (Mehel, 1974, p. 36).
A regulação dos sistemas sociais
Apesar do enorme potencial descritivo e
explicativo que a abordagem sistémica trouxe à compreensão dos sistemas sociais,
é preciso evitar uma transposição automática das leis da cibernética
construídas sobre sistemas físicos e biológicos para os sistemas sociais.
Crozier & Friedberg (1977) que utilizam este tipo de abordagem para
descrever a ação coletiva nas organizações (sistemas concretos de ação)
advertem que o modelo subjacente à analogia cibernética é um modelo que ignora
a dimensão estratégica, irredutivelmente imprevisível, do comportamento humano.
Segundo estes autores, um sistema humano não obedece a regras precisas saídas
de mecanismos automáticos de reajustamento, como acontece com os outros
sistemas: (...) nos sistemas humanos que chamamos de sistemas concretos de ação,
a regulação não se opera, de facto, nem por sujeição a um órgão regulador, nem
pelo exercício dum constrangimento mesmo que inconsciente e muito menos por
mecanismos automáticos de ajustamento mútuo, opera-se por mecanismo de jogos
através dos quais os cálculos racionais “estratégicos” dos atores se encontram
integrados em função de um modelo estruturado. Não são os homens que são
regulados e estruturados, mas os jogos que lhes são oferecidos. (Crozier &
Friedberg, 1977, p. 244)
É este, o sentido dado por Bauby (2002,
p. 15) que, reportando-se aos sistemas sociais, define regulação como: Modos de
ajustamento permanentes de uma pluralidade de ações e seus efeitos que permitem
assegurarem, o equilíbrio dinâmico de sistemas instáveis (...). A regulação resulta do facto de que as
regras não podem prever tudo e por isso devem ser interpretadas, postas em
causa (numa adaptação perpétua em função das situações e dos objetivos). A
regulação de um grupo social corresponde, às interações entre os interesses
particulares de cada componente do grupo e o interesse comum ou geral do mesmo.
Maroy & Dupriez (2000) a propósito
da regulação dos sistemas escolares consideram que, quando aplicada às
organizações ou sistemas de ação organizada a regulação é a resultante da
articulação (ou da transação) entre uma ou várias regulações de controlo e
processos “horizontais” de produção de normas na organização. A regulação é
entendida no sentido ativo de processo social de produção de “regras de jogo” permitindo
resolver problemas de interdependência e de coordenação. (Maroy & Dupriez,
op. cit., p. 76)
Nos trabalhos de Reynaud (1997 e 2003) é
possível identificar três dimensões complementares do processo de regulação dos sistemas sociais: a regulação institucional, normativa e de controlo; a regulação situacional, ativa e autónoma; e a “regulação conjunta”.
A regulação institucional - a regulação é “o conjunto de ações
decididas e executadas por uma instância (governo, hierarquia de uma
organização) para orientar as ações e as interações dos atores sobre os quais
detém uma certa autoridade” (Maroy e Dupriez, 2000). Esta definição põe em
evidência, (no conceito de regulação), as dimensões de coordenação, controlo e
influência exercidas pelos detentores de uma autoridade legítima, sendo próxima
da aceção que prevalece na literatura americana (no domínio da economia e da
educação) enquanto intervenção das autoridades públicas para introduzir
“regras” e “constrangimentos” no mercado ou na ação social.
A regulação situacional - a regulação
é vista, como um processo ativo de produção de “regras de jogo” (Reynaud,
1997) que compreende não só a definição de regras (normas, injunções,
constrangimentos, etc.) que orientam o funcionamento do sistema, mas também o
seu (re) ajustamento provocado pela diversidade de estratégias e ações dos
vários atores, em função dessas mesmas regras. De acordo com esta abordagem,
num sistema social complexo (como é o sistema educativo) existe uma pluralidade
de fontes, de finalidades e modalidades de regulação, em função da diversidade
dos atores envolvidos, das suas posições, dos seus interesses e estratégias
(Barroso, 2000).
A
“regulação conjunta”- significa a
interação entre a regulação de controlo e a regulação autônoma, tendo em vista
a produção de regras comuns (Reynaud, 2003). Dubet, também fala de “regulação normativa” (produção de
normas pelo Estado, tendo em vista mudanças
voluntárias através da
interiorização e socialização dessas mesmas
normas pelos indivíduos) e “regulação sistémica” (processo pelo qual o
sistema social se reproduz e transforma, através de efeitos não necessariamente
intencionais, como os efeitos de composição). De referir, que, como afirma
Bettencourt (2004, p. 53):
Nas ciências sociais, as teorias não
conflituais, vêem no ajustamento [entre
os diferentes actores envolvidos no
processo de regulação] a procura de um
equilíbrio social óptimo. Elas reforçam
a ideia corrente de regulação como
a obtenção de um funcionamento
“correcto”. Pelo contrário, segundo as
abordagens políticas, a regulação não
assegura nem a harmonia, nem a estabilização
rigorosa, nem a optimização, porque a
elaboração e a aplicação
das regras é uma disputa social e dá
lugar a conflitos, quer abertos e violentos,
quer instituídos quer escondidos.
Contextos linguísticos
A utilização do termo “regulação” nos
estudos internacionais sobre políticas educativas varia conforme os contextos
linguístico e administrativo dominante.
Num primeiro
contexto, a ocorrência do termo regulação aparece associada ao debate sobre
a reforma da administração do Estado na educação e sua modernização. Acontece
num contexto linguístico francófono e
em países onde ainda predomina uma administração muito centralizada e
burocratizada. A referência à “regulação” aparece como resultado de um certo
efeito de moda (ou aggiornamento linguístico), com o fim de reforçar a
imagem de um Estado menos prescritivo e regulamentador e de uma “nova
administração pública” que substitui um controlo direto e a priori sobre
os processos, por um controlo remoto, e a posteriori baseado nos
resultados. A referência a um “Estado regulador” pressupõe,o reconhecimento e a
existência de unidades autónomas no sistema e é utilizada como expressão de uma
certa modernização da administração da educação pública que evolui, como
sublinha Demailly (2001) falando do caso francês, de um quadro normativo
baseado na “obrigação de meios” para um outro, baseado na “obrigação de
resultados”. Um exemplo, desta utilização do conceito de “regulação”
encontra-se na citação seguinte retirada das conclusões de um estudo sobre as
tendências evolutivas das políticas educativas no Canadá, Estados Unidos,
França e Reino Unido (Lessard, Brassard & Lusignan, 2002, p. 35): O
Estado não se retira da educação. Ele adota um novo papel, o do Estado regulador e avaliador que define as
grandes orientações e os alvos a atingir,
ao mesmo tempo que monta um sistema de monitorização e de avaliação para saber se os resultados
desejados foram, ou não, alcançados. Se,
por um lado, ele continua a investir uma parte considerável do seu orçamento em
educação, por outro, ele abandona parcialmente a organização e a gestão
quotidiana, funções que transfere para os níveis intermediários e locais, em parceria e concorrência com
atores privados desejosos de assumirem uma parte significativa do “mercado”
educativo.
Num segundo
contexto, a ocorrência do termo regulação aparece predominantemente
associada, por oposição, ao conceito de “desregulação”. Neste caso, a oposição
regulação/desregulação, pretende sublinhar uma rutura com os modelos
“tradicionais” de intervenção do Estado na coordenação e pilotagem do sistema
público de educação. Ocorre sobretudo num contexto linguístico anglo-saxónico e
em países, onde se verificaram mudanças políticas de cariz conservador e
neoliberal. Nestes países o que está em causa não é uma simples alteração dos
modos de regulação pelo Estado, mas a substituição parcial da regulação estatal
por uma regulação de iniciativa privada através da criação de quase-mercados
educacionais. Trata-se, como escreve Gintis (1995), de substituir um “governo
apostado na produção direta de bens e serviços”, por um governo que visa,
preferencialmente, a regulação da produção e da distribuição desses bens e
serviços, que são fornecidos, no quadro de um sistema competitivo, por outras
entidades. Como afirma o mesmo autor, “o uso do mercado tem, neste contexto, um
sentido mais instrumental, do que alternativo a um processo de
decisão democrática” (p. 19). Neste sentido, a “regulação” (entendida como a intervenção
das autoridades governamentais na prestação de um serviço público) é vista como
um “movimento” oposto à “privatização” (entendida como a transferência para
autoridades não-governamentais, com fins ou sem fins lucrativos, do controlo e
prestação desses mesmos serviços).
Um modelo interpretativo
Em que consiste a regulação enquanto
modo de coordenação dos sistemas educativos (ver, a este propósito, Barroso,
2005):
- A regulação é um processo constitutivo
de qualquer sistema e tem por principal função assegurar o equilíbrio, a
coerência mas também a transformação desse mesmo sistema.
- O processo de regulação compreende,
não só, a produção de regras (normas, injunções, constrangimentos etc.) que
orientam o funcionamento do sistema, mas também o (re) ajustamento da
diversidade de ações dos atores em função dessas mesmas regras.
- Num sistema social complexo (como é o
sistema educativo) existe uma pluralidade de fontes (centro/periferia,
interno/externo, ator A/ator B etc.), de finalidades e modalidades de
regulação, em função da diversidade dos atores envolvidos, das suas posições,
dos seus interesses e estratégias.
- A regulação do sistema educativo não é
um processo único, automático e previsível, mas sim um processo compósito que
resulta mais da regulação das regulações, do que do controlo direto da
aplicação de uma regra sobre ação dos “regulados”.
-No quadro do sistema público de ensino,
o Estado constitui uma fonte essencial de regulação, não é a única, nem por
vezes a mais decisiva nos resultados finais obtidos.
Muitos autores, oriundos da sociologia crítica,
afirmam que vivemos um período de “des-regulação” do sistema educativo, ou como
defende Ball (2001), de simples “re-regulação”.
- A diversidade de fontes e modos de
regulação faz com que a coordenação, equilíbrio ou transformação do
funcionamento do sistema educativo resultem mais da interação dos vários
dispositivos reguladores do que da aplicação linear de normas, regras e
orientações oriundas do poder político. Por isso deve falar-se de “multi-regulação”,
já que as ações que garantem o funcionamento do sistema educativo são determinadas
por um feixe de dispositivos reguladores que muitas vezes se anulam entre si,
ou pelo menos, relativizam a relação causal entre princípios, objetivos, processos
e resultados. Os ajustamentos e reajustamentos a que estes processos de
regulação dão lugar não resultam de um qualquer imperativo (político,
ideológico, ético) definido a priori, mas sim dos interesses,
estratégias e lógicas de ação de diferentes grupos de atores, por meio de
processos de confrontação, negociação e recomposição de objetivos e poderes.
- Se entendermos a “regulação do sistema
educativo” como um “sistema de regulações” torna-se necessário valorizar, no
funcionamento desse sistema, o papel fundamental das instâncias (indivíduos, estruturas
formais ou informais) de mediação, tradução, passagem dos vários fluxos
reguladores, onde se faz a síntese ou se superam os conflitos entre as várias
regulações existentes. Estas instâncias funcionam como uma espécie de “nós da
rede” de diferentes reguladores e a sua intervenção é decisiva para a
configuração da estrutura e dinâmica do sistema de regulação e seus resultados.
- Esta verificação da complexidade dos
processos de regulação do funcionamento do sistema educativo, da dificuldade de
prever (e orientar) com um mínimo de segurança e de certeza a direção que vai
tomar, tornam bastante improvável o sucesso de qualquer estratégia de
transformação baseada num processo normativo de mudança, como são as reformas.
De registar ainda que essa
improbabilidade é tanto maior quanto não existe hoje qualquer consenso quanto
aos princípios e normas (no sentido lato) que devem orientar o
funcionamento do sistema, nem a sua transformação.
- Como é evidente, a multiplicidade de
processos de regulação e a sua difícil compatibilização tornam não só
problemáticas as próprias noções de “equilíbrio” e “coerência”, intrínsecas a
qualquer sistema, como põem em causa a própria possibilidade de existência de
“um sistema nacional” de ensino. A tentativa de superar esta situação está na
origem de diferentes propostas ou medidas de política educativa, que se podem
consubstanciar nas seguintes modalidades (de natureza e propósitos políticos
diferentes): segmentação do sistema nacional de ensino em subsistemas locais
relativamente independentes; substituição da regulação das estruturas e dos
processos pela autorregulação das pessoas; construção de acordos ou
compromissos sobre a natureza e finalidades do bem comum educativo, que permitam
a convergência dos diversos processos de regulação.
Os novos modos de regulação das
políticas educativas; as principais conclusões de um projeto europeu de
investigação (cuja equipa portuguesa coordenei) e que teve como principal
objetivo realizado. Nesta secção irei apresentar, de modo muito sumário. Este
projeto, intitulado Changes in regulation modes and social production
of inequalities in educational systems: a European comparison e designado
pelo acrónimo Reguleducnetwork, decorreu entre Outubro de 2001 e Outubro
de 2004 e abrangeu cinco países europeus: Bélgica (francófona), França,
Hungria, Portugal e Reino Unido (só a Inglaterra e País de Gales).
Os trabalhos de investigação incidiram,
na descrição e análise dos diferentes modos de regulação dos sistemas
educativos dos países envolvidos, em três níveis: nível nacional, centrando o
estudo na regulação de carácter institucional; nível intermédio, incidindo
sobre as instâncias de regulação que operam em territórios intermédios do
sistema educativo (entre o nacional e o local); e, finalmente, o Nível local,
que se refere ao estudo dos modos de regulação interna das Convergências e
divergências.
Podemos
resumir as principais conclusões:
- Apesar de diferenças importantes nas
características dos seus sistemas escolares e modos de coordenação, os cinco
países estudados tiveram, até à década de 80 do século passado, um modelo de
regulação das políticas educativas comuns. Esse modelo, designado por
burocrático-profissional, baseava-se numa “aliança” entre o Estado e os
professores, combinando uma regulação “estatal, burocrática e administrativa” com
uma regulação “profissional, corporativa e pedagógica” (ver, a este propósito,
Barroso, 2000 e 2002).
As políticas atuais caracterizam-se por
uma oposição a este modelo burocrático-profissional e convergem parcialmente em
trajetórias que tendem a impulsionar modelos de governança e de regulação que
se podem designar por pós-burocráticos.
Estes modelos organizam-se em torno de
dois referenciais principais: o do “Estado avaliador” e o do “quase-mercado”.
Estas convergências resultam de diversos
fatores, em particular: o desenvolvimento da globalização económica e do
pós-fordismo; crise da legitimidade e da racionalidade do Estado Providência e
emergência de referenciais políticos neoliberais; procura crescente por parte
de diferentes grupos sociais de percursos educativos individualizados e de
possibilidade de escolha para a escolarização dos seus filhos; contaminação e
externalização das políticas nacionais (Afonso, 2003; Barroso, 2003c).
Apesar desta convergência em direção a
um modelo de regulação pós-burocrática, verifica-se que na realidade dos
sistemas escolares dos países estudados se encontram diferentes cambiantes
deste processo. Estas divergências resultam, dos diferentes contextos de
partida em cada país (político, económico, histórico etc.); da hibridação dos
novos modos de regulação com a situação existente; dos processos de
sedimentação legislativa e das lógicas políticas aditivas.
Algumas especificidades nacionais
As tendências de convergência abrangem,
o conjunto dos cinco países em estudo, embora com especificidades que decorrem
dos diferentes contextos nacionais. Assim em Portugal e na França as
transformações processam-se mais lentamente e de maneira menos radical. Em
contrapartida, na Inglaterra e na Bélgica (francófona) a evolução para modelos
de regulação pós-burocráticos é mais acentuada, encontrando-se a Hungria numa
posição intermédia. De registar ainda que a situação específica de Portugal e
da França se fica a dever, em certa medida, à importância que continua a ter,
nestes países, o referencial tradicional da “escola pública” e ao peso que a
administração central preserva na estrutura do poder do Estado.
A tentativa de equilíbrio centralização/
descentralização, verifica-se que nos países de tradição centralista
(França, Hungria, Portugal) a evolução
faz-se no sentido de aumentar o poder de decisão ao nível intermédio ou local,
ao passo que na Inglaterra e Bélgica francófona (países tradicionalmente
descentralizados) se assiste, a um reforço dos mecanismos de controlo centrais
(sobretudo ao nível do currículo e da avaliação) e à perda de influência das
autoridades municipais.
A França e a Inglaterra são os países
onde os processos de avaliação externa das escolas e do sistema estão mais
desenvolvidos e são mais sofisticados. França – departamento central do
Ministério da Educação (DEP) e Inglaterra - uma agência nacional independente
(OFSTED). Inglaterra - os efeitos da avaliação têm mais incidência no
funcionamento das escolas (que podem encerrar ou serem sujeitas a programas
especiais de reconversão).
Nos outros países, incluindo a França, a
incidência da avaliação como mecanismo de correção é muito menor e, por vezes,
tem um efeito meramente simbólico.
Quanto à “livre escolha” da escola pelos
pais, ela é praticada desde há muito na Bélgica francófona e tem vindo a
aumentar grandemente na Inglaterra por meio de um político estatal voluntarista
de criação de um “quase-mercado” escolar. Em França e em Portugal ainda
subsiste a “carta escolar” (com obrigação de frequência da escola em função do
local de residência), mas ela é atenuada na prática, devido à pressão de pais
oriundos da classe média, que aproveitam a baixa demográfica e a maior disponibilidade
da oferta para desenvolverem estratégias de individualização dos percursos
escolares dos seus filhos. De registar, que nestes dois países o abrandamento
dos critérios de “sectorização” escolar parece não pôr em causa uma vontade
política de preservar a natureza igualitária da oferta educativa. Na Hungria
coexistem os dois sistemas com uma clara elitização do sistema de escolha, que
privilegia grupos sociais mais favorecidos.
Em síntese
Como é assinalado no Relatório Final do
Projecto Reguleducnetwork (Maroy, 2004), as políticas educativas dos
cinco países estudados inspiram- se de um modo geral nos modelos
pós-burocráticos, em particular do “Estado avaliador”. Contudo, o grau
de intensidade das políticas postas em prática e a dosagem entre os
diversos modelos são muito variados.
A situação mais radical encontra-se na
Inglaterra, onde se verifica uma política voluntarista de criação de um
“quase-mercado” educativo.
O controlo central e a lógica mercantil
reforçaram-se em detrimento da capacidade de intervenção das autoridades
locais. Neste país, a partir do início dos anos 80 do século passado, por
iniciativa dos governos conservadores, retomada pelos governos trabalhistas, o
poder central desenvolveu uma política substancial de intervencionismo incitando
a competição entre as escolas e favorecendo a “livre escolha” pelos pais,
nomeadamente por meio do alargamento dos dispositivos de avaliação externa e
maior informação dos resultados às famílias.
Os outros países conhecem evoluções
menos radicais e menos dependentes de políticas voluntaristas e são menos
influenciados pelo modelo do “quase-mercado”. A avaliação externa é embrionária
ou sem consequências e a escolha da escola é mais tolerada do que promovida.
Apesar de prevalecer uma política
oficial que privilegia a “modernização” da administração escolar sem pôr em
causa os valores da igualdade de oportunidades, o certo é que muitas das
medidas tomadas favorecem a introdução de uma lógica de mercado na prestação do
serviço educativo, cujos efeitos contrariam claramente esses princípios. Além
disso, a crítica ao centralismo, à burocracia e ao défice de qualidade dos
serviços públicos é aproveitada pelos defensores das políticas neoliberais para
reclamarem a diminuição da intervenção do Estado e a privatização da prestação
do serviço educativo, como única solução para os problemas com que se debate
atualmente a escola pública.
Da crise do estado à defesa da escola pública
O século XX foi dominado, como refere
Fukuyama (2004), por uma controvérsia política permanente em torno das questões
da natureza, poder, dimensão e campo de ação do Estado. Iniciou-se sob os
auspícios do “liberalismo” britânico (com a ausência quase total da intervenção
do Estado).
Principalmente após a Segunda Guerra Mundial
assistiu-se a um crescente aumento do poder e intervenção do Estado (quer sob a
forma perversa dos totalitarismos, quer sob a forma protetora e
desenvolvimentista do Estado Providência). Finalmente, a partir dos anos de
1980, através do tatcherismo e do regganismo, assistiu-se ao surgimento das
chamadas “políticas neoliberais” (com a redução do papel do Estado e a criação
de mercados, ou quase-mercados, nos sectores tradicionalmente públicos – saúde,
educação, transportes etc.). Estas “políticas neoliberais” afetaram diretamente
muitos outros países e foram adotadas como referenciais para os programas de
desenvolvimento conduzidos pelas grandes organizações internacionais (FMI,
Banco Mundial, OCDE etc.) no que foi designado por “consenso de Washington”, cujas
principais “receitas” passavam por: disciplina orçamental, reforma fiscal,
eliminação das barreiras às trocas internacionais, privatização e desregulamentação,
com o consequente apagamento da intervenção do Estado. Com o virar do milênio,
assiste-se a um recuo das teorias mais radicais do neoliberalismo e à emergência
de propostas alternativas que vão no sentido de procurar um equilíbrio entre o
“Estado” e o “mercado”, ou mesmo no sentido de superar esta dicotomia pela
reativação de formas de intervenção sociocomunitária na gestão da coisa
pública.
O neoliberalismo educativo
No domínio da educação, a influência das
ideias neoliberais fez-se sentir quer por meio de múltiplas reformas
estruturais, de dimensão e amplitude diferentes, destinadas a reduzir a intervenção
do Estado na provisão e administração do serviço educativo, quer por meio de
retóricas discursivas, de crítica ao serviço público estatal e de
“encorajamento do mercado”. Este “encorajamento do mercado” traduz-se,
sobretudo, na subordinação das políticas de educação a uma lógica estritamente
económica (“globalização”); na importação de valores (competição, concorrência,
excelência etc.) e modelos de gestão empresarial, como referentes para a “modernização”
do serviço público de educação; na promoção de medidas tendentes à sua
privatização.
Como afirma Nóvoa (1998, p. 108),
falando das “racionalidades” do discurso educativo da Comissão Europeia, na
década de 1990:
“A racionalidade económica acompanha-se
duma orientação neoliberal que serve de enquadramento ao discurso da
privatização, da liberdade de escolha e mesmo da participação. No livro branco
“Crescimento, competitividade e emprego” defende-se a necessidade duma maior
implicação do sector privado nos sistemas de educação e/ou formação
profissional e na formulação das políticas de educação para ter em conta as
necessidades do mercado de trabalho e as circunstâncias locais.”
Assiste-se à tentativa de criar mercados
(ou quase-mercados) educativos transformando a ideia de “serviço público” em
“serviços para clientes”, onde o “bem comum educativo” para todos é substituído
por “bens” diversos, desigualmente acessíveis. Sob a aparência de um mercado
único, funcionam diferentes submercados onde os “consumidores” de educação e
formação, socialmente diferenciados, vêm-lhes serem propostos produtos de
natureza e qualidade desiguais. Para estimular a criação destes mercados, o
financiamento da educação (mesmo se à custa do erário público) é dirigido às
famílias pelo sistema de “vouchers”, ou equivalente, e procede-se à privatização
parcial ou total da propriedade ou da gestão das escolas (ver, a este
propósito, Barroso,2003b). O objetivo central já não é adequar a educação e o
emprego, mas articular o “mercado da educação” com o “mercado de emprego”, nem
que para isso seja necessário criar um “mercado dos excluídos” (para utilizar a
expressão de Dominique Glassman).
Neste contexto de incertezas, os
critérios e opções de financiamento deixam de ser objeto de uma planificação
que traduza escolhas políticas definidas pelo Estado e passam a ser confiados à
“mão invisível” do mercado em função de objetivos de eficácia, qualidade e
excelência definidos de maneira unívoca pelas regras da concorrência. Depois do
“tudo Estado” passou-se para o “tudo mercado”! Como dizem Tyack & Cuban
(1995, p. 142) a propósito da situação existente nos Estados Unidos:
“Nesta última geração, o discurso sobre
a escola pública tornou-se extremamente limitado. Passou a estar centrado na
competição económica internacional, nos resultados dos testes, e na “escolha”
individual da escola. Mas, em contrapartida, negligenciou por completo o tipo
de escolhas que são essenciais para o bem-estar cívico: escolhas coletivas
sobre um futuro comum, escolhas feitas, através de processos democráticos,
sobre os valores e os conhecimentos que os cidadãos querem passar para a
próxima geração.”
A crise do modelo neoliberal
A euforia “neoliberal” dos anos de1980 e
princípios dos anos de 1990 parece estar a enfraquecer no seio das grandes organizações
internacionais (Banco Mundial, OCDE etc.). As receitas do “consenso de
Washington” começam a ser postas em causa com as experiências dolorosas dos
países europeus do “antigo bloco de leste” ou dos “tigres” asiáticos ou das
“economias emergentes” da América Latina.
É neste contexto que se começa a
assistir a uma redefinição das relações entre economia e política no quadro dos
processos de desenvolvimento em geral.
Como afirma a este propósito Boyer
(2001, p. 49-50), “Por um lado, sabemos hoje, o sucesso do desenvolvimento
resulta da complementaridade destas duas lógicas [estado/mercado] e não, na
afirmação de uma delas. É preciso lembrar que o mercado é uma construção social
cuja emergência e viabilidade supõem um conjunto rico e complexo de regras
jurídicas, códigos e autoridades encarregadas do seu bom funcionamento.
Por outro lado, as investigações institucionalistas
contemporâneas sublinham que formas institucionais intermédias entre o Estado e
o mercado, como as associações, as comunidades, os partenariados, (...) podem desempenhar
um papel determinante na conciliação dos imperativos de eficácia dinâmica, isto
é, um crescimento da produtividade e do nível de vida, com os imperativos de
justiça social, na ocorrência uma repartição não excessivamente desigual dos
dividendos do crescimento”.
No mesmo sentido vai a Comissão Europeia
quando procura definir e regulamentar aquilo que designa por “serviços de
interesse geral” e que visa “atingir objetivos de serviço público no seio
de mercados abertos e concorrenciais” (Livro Branco). Estes serviços abrangem
serviços de interesse económico e não económico.
Este movimento contra os “excessos de
liberalismo” e a favor da necessidade de preservar a existência de um Estado
forte (ainda que com um campo de ação mais limitado) surge entre os defensores das
posições mais ortodoxas do “consenso de Washington”, como é o caso de Francis
Fukuyama (principalmente conhecido no início dos anos de 1990 pelo seu livro O
fim da história) e que agora (em 2004, p. 23) escreve num livro
sugestivamente chamado State building – governance and world
order: (...) se é certo que era preciso reduzir o peso do Estado em certos
domínios [como propunha o “consenso de Washington”], era preciso, ao mesmo tempo,
reforçá-lo em outros. Os economistas que defenderam as reformas liberais
compreendiam isto em teoria, mas a tónica foi posta, neste período, na redução
das atividades do Estado, o que se podia confundir facilmente (ou ser
voluntariamente mal interpretado) com um esforço para reduzir as capacidades e
as competências do Estado. Deste modo, foi descurada a reflexão e a atenção ao
programa de “construção do Estado” (state building) que era, pelo menos,
tão importante como o programa que visava a sua redução. O resultado foi que a
reforma económica de tendência liberal fracassou na concretização das suas
promessas, em inúmeros países. Em alguns deles, a ausência de um quadro
institucional apropriado pô-los numa situação ainda pior do que antes da
“liberalização”. Importa, ainda, assinalar que, para além deste recuo dos defensores
do neoliberalismo (perante o insucesso das suas receitas) e da tentativa de
encontrar a “justa medida” entre Estado e mercado como estas tendências indiciam,
há os que defendem (como eu tenho feito desde há muito, na educação) que não
podemos ficar prisioneiros da falsa dicotomia entre estes dois modelos. Por
isso, é preciso revitalizar outras modalidades de regulação da ação pública.
Como diz Whitty (2002, p. 20) a este propósito: (...) nem o Estado, nem a
sociedade civil constituem um contexto adequado para o exercício de uma
cidadania ativa e democrática, através da qual seja alcançada a justiça social.
A reafirmação dos direitos dos cidadãos em educação parece exigir o
desenvolvimento de uma nova esfera pública, algures entre o Estado e a sociedade
civil mercantilizada, em que novas formas de associação coletiva possam ser
desenvolvidas. O desafio reside em saber como sair de um processo de decisão
atomizado, para o assumir de uma responsabilidade coletiva em educação, mas sem
recriar um sistema de planificação supercentralizado (...).
Defender e promover a escola pública
Estamos em pleno processo de
recomposição das relações entre Estado e mercado, no que se refere ao
fornecimento e financiamento dos serviços públicos, incluindo, a educação.
Contudo, por muito estimulantes que
sejam as teorias e as estratégias da complementaridade dos modelos e da variedade
de situações em que podem ser aplicados, é importante não esquecer que, para lá
das soluções técnicas, há sempre que saber colocar as questões políticas. Isso
obriga, como afirma Rui Canário (2002, p. 150), a “pensar a escola a partir de
um projeto de sociedade” e, para isso, precisamos aprender a “pensar a partir
não dos meios disponíveis, mas das finalidades a atingir” (idem, ibid., p.
151), ou como recomenda Paulo Freire a “problematizar o futuro” sem o
considerar como “inexorável”.
É por isso que, independentemente da
alteração das formas de regulação e da variação do peso relativo dos vários
níveis e atores, qualquer mudança neste domínio não pode ser vista independentemente
de um projeto político nacional que tem de passar pela promoção e defesa dos
princípios fundadores da “escola pública” (enquanto garantia da aquisição e
distribuição equitativa de um bem comum educativo). Entre esses princípios
quero destacar: a universalidade do acesso, a igualdade de oportunidades e a
continuidade dos percursos escolares. Estes princípios obrigam a que escola seja sábia para educar (permitindo a emancipação pelo saber), reta para integrar as crianças e
os jovens na vida social (por meio da partilha de uma cultura comum) e justa (participando na
função social de distribuição de competências).
Em muitos casos, estes princípios não
tiveram correspondência nas políticas, nas formas de organização, no currículo e
nos métodos pedagógicos, em que assenta a escola de massas, ao longo da sua
evolução histórica e no seu processo de expansão à escala planetária. Contudo,
há que reconhecer, o desenvolvimento da humanidade, principalmente neste último
século, ficou a dever muito à expansão da escola pública, e a sua crise atual
não deve servir para negar a validade dos seus princípios e do ideal de
educação que lhes estão subjacentes, nem justifica o recurso ao modelo do
mercado como alternativa para a regulação e provisão do serviço público
educativo.
Falta ao mercado a sensibilidade social
que permita atender aos que, pelas mais diversas razões, exigem mais tempo,
mais dinheiro e melhores recursos para obterem o sucesso educativo a que têm
direito. Por outro, o Estado social não pode estar limitado (como querem os
defensores de políticas neoliberais neste domínio) a cumprir as funções de
“carro-vassoura” dos excluídos que o mercado enjeita (por questões de
rentabilidade e eficácia). E, aqui, o recurso à metáfora do “carro-vassoura”
justifica-se plenamente, por ser aquele que recolhe os que são obrigados a
desistir, por não conseguirem acompanhar o andamento dos outros. Defendo que,
no contexto atual da crise do Estado Providência (e do modelo social a que deu
origem), se torna necessário reforçar a dimensão pública da escola pública, o
que obriga a reafirmar os seus valores fundadores, perante a difusão
transnacional de uma vulgata neoliberal que vê no serviço público a origem de
todos os males da educação e na sua privatização a única alternativa (Barroso,
2004a).Defendo, igualmente, que a
falência atual do modelo de regulação burocrático-profissional, que serviu de
base à expansão da escola pública no passado, obriga a procurar novas formas
organizativas (pedagógicas e educativas) e novas modalidades de regulação e de
intervenção que permitam:
- a recriação da escola como espaço
público de decisão coletiva, baseada numa nova conceção de cidadania que, como
diz Whitty, “vise criar a unidade sem negar a diversidade”; que o Estado
continue a assegurar, como lhe compete, a “manutenção da escola num espaço de
justificação política” (Derouet, 2003), sem que isso signifique ser o Estado o
detentor único da legitimidade dessa justificação.
É este o grande desafio que se coloca a
todos os que continuam a acreditar na necessidade de provermos coletivamente um
serviço público que garanta o pleno direito à educação e o acesso a uma cultura
comum, para todas as crianças e jovens, em condições de equidade, de igualdade
de oportunidades e de justiça social.
Neste sentido, a “defesa da escola
pública” passa, por desmontar o carácter pretensamente “neutro” da introdução
de uma lógica de mercado na educação, denunciando a sua “ética” perversa e a
sua intencionalidade política e, por outro, fazer da definição e regulação das políticas
educativas um processo de construção coletiva do bem comum que à educação cabe
oferecer, em condições de igualdade e justiça social, a todos os cidadãos.
Podemos concluir que a repolitização da educação,
a multiplicação das instâncias e momentos de decisão, a diversificação das
formas de associação no interior dos espaços públicos e o envolvimento de um
maior número de atores conferem ao sistema de regulação da educação uma
complexidade crescente. Esta complexidade exige um papel renovado para a ação
do Estado, com o fim de compatibilizar o desejável respeito pela diversidade e
individualidade dos cidadãos, com a prossecução de fins comuns necessários à
sobrevivência da sociedade – de que a educação é um instrumento essencial. Essa
compatibilização só é possível com o reforço das formas democráticas de
participação e decisão, o que, nas sociedades contemporâneas, exige cada vez
mais uma qualificada e ampla informação, a difusão de instâncias locais e
intermédias de decisão, uma plena inclusão de todos os cidadãos
(particularmente dos que até aqui têm sido sistematicamente excluídos, do
interior e do exterior). Só assim é possível “estabelecer um acordo sobre uma
base comum suficientemente generosa, atrativa e plausível que possa unificar os
cidadãos no apoio à escola pública” e que Tyack & Cuban (1995, p. 142)
consideram ser “uma necessidade crucial do nosso tempo”.
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