Ficha de Leitura/ Ficha Resumo
Ramos, Conceição C.,REGULAÇÃO DOS
SISTEMAS EDUCATIVOS, O CASO PORTUGUÊS
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CONTEXTO JURÍDICO E
ADMINISTRATIVO DA EDUCAÇÃO (1986-1993)
2.No
ordenamento jurídico e normativo da Educação, sobretudo a partir de 1986, os
termos desconcentração/descentralização, autonomia e participação são
sistematicamente utilizados como conceitos estruturantes de um modelo de
regulação que se pretende introduzir.
2.1. O conceito jurídico e administrativo de descentralização/desconcentração
e autonomia
Em termos doutrinais e na abordagem jurídica e das Ciências da
Administração estabelecem-se as seguintes distinções:
A
descentralização administrativa corresponde a uma orgânica em
que a gestão dos interesses locais é atribuída a pessoas coletivas
territoriais, cujos órgãos são dotados de autonomia, podendo atuar livremente
no desempenho dos poderes legais, apenas sujeitos à fiscalização dos atos pelos
tribunais (Caetano, 1980; Amaral, 1992).
Politicamente a descentralização consiste no reconhecimento pelo poder
político constituído, do direito de participação dos eleitos locais na gestão
dos interesses públicos regionais ou locais e numa consequente partilha de
poderes e competências.
A
desconcentração, é um processo técnico que procura aumentar a eficiência dos
serviços, permitindo um mais estreito conhecimento dos problemas e mais rápida
decisão das pretensões dos particulares e das iniciativas públicas, aproveitando
a organização vertical dos serviços, mediante a delegação de competências.
A
desconcentração tem como objetivo tornar a administração central mais ágil e
célere, aproximando a tomada de decisão do cidadão, mas a longa manus(subordinação/hierarquização)
da administração não deixa de estar presente. A administração central está desconcentrada, quando o superior
hierárquico não é o único competente para tomar decisões, isto é, quando em todos ou em alguns graus
inferiores dos serviços se admitem
chefias intermédias, embora sujeitas à direção, inspeção e superintendência
dos superiores (Caetano, 1980).
A autonomia regional, expressamente qualificada pela Constituição,
como político administrativo envolve a atribuição de poderes substancialmente
políticos às regiões, devendo destacar-se o poder legislativo, poderes
administrativos e poderes de participação de órgãos regionais em atos de
competência de órgãos do Estado.
A
autonomia administrativa consiste na capacidade que uma pessoa
coletiva detém para exercer atos definitivos e executórios dos quais só cabe
recurso contencioso.
Numa perspectiva de menor rigor técnico-jurídico, pode entender-se
descentralização como o processo em que níveis subordinados de uma hierarquia
são autorizados por um órgão superior a tomar decisão sobre o uso de recursos
da organização. Neste sentido, são determinados os elementos do sistema que são
descentralizados (gestão de pessoal, orçamento, gestão financeira) e para que
níveis (regional, local, escola) são cometidas estas competências.
Neste caso, estabelecem-se dois tipos de distinções: a distinção
entre descentralização política e administrativa e a distinção, no que respeita
ao tipo de poder que é descentralizado, distinguindo-se entre desconcentração,
delegação e devolução.
A
descentralização política implica a atribuição de poderes sobre a
Educação a cidadãos ou representantes de cidadãos, a níveis mais baixos do
Estado. A descentralização
administrativa é essencialmente uma estratégia de gestão.
O poder político permanece com os titulares do topo da
organização, mas a responsabilidade e a autoridade de determinadas competências
é cometida a níveis mais baixos da organização ou a órgãos autónomos, caso em
que a autoridade permanece dentro da organização.
A
desconcentração não é mais do que a transferência de responsabilidades de
gestão do centro para a região ou para outros níveis mais baixos do Estado ou
para organizações autónomas, no pressuposto de que a delegação pode ser avocada
a qualquer momento.
Como define Marcello Caetano (1980), a devolução de poderes é um
método que consiste em entregar a gestão de certos interesses ou feixes de
interesses coletivos a um serviço personalizado e autónomo.
A lei devolve
poderes que, em princípio, seriam do Estado, a pessoas coletivas que os exerçam
através de órgãos próprios (donde a designação devolução de poderes) sobre as
quais apenas estabelecerá uma ação tutelar, tendente à coordenação desses
institutos com outras atividades públicas: o Estado realiza uma administração
indireta, pois as suas atribuições são confiadas a distintas pessoas coletivas
que não são mais do que o desdobramento da sua própria personalidade (Caetano
1980: 252).
A devolução é, deste modo, a forma mais concreta de
descentralização e consiste na transferência de atividades de natureza
financeira, administrativa, pedagógica ou científica de forma permanente sem
possibilidade de avocação.
2.2. Descentralização/desconcentração nas Ciências de Gestão
Para as ciências da gestão, a descentralização e a
desconcentração são dois princípios administrativos associados: um e outro são
considerados meios eficientes para superar as limitações originadas por formas
centralizadas de administração.
A
descentralização administrativa pode ser feita por serviços técnicos, por funções territoriais e por cooperação, enquanto a desconcentração consiste na delegação pela organização central para
grupos internos e externos.
2.3 Descentralização/Desconcentração no quadro jurídico e
normativo da Administração
O termo
descentralização surge na Administração da Educação, em finais do século XIX,
no diploma de criação do Ministério da Instrução Pública, associado a um projeto
de intencionalidade política reformista, por oposição a princípios e práticas
de centralização, que, teoricamente, se afastam, porque são vistas como causa
da má situação do Estado.
Estava em questão a instituição do princípio de descentralização,
num duplo movimento: de separação de funções do próprio governo que concentrara
no Ministério do Reino a política interna, a administração, a saúde e a
instrução e que autonomizava o Ministério da Instrução Pública e a
transferência de competências do próprio ministério para a administração local.
Invocavam-se como fundamentos para proceder à descentralização
argumentos técnicos e de gestão administrativa, a par de razões políticas de identificação
com os modelos adotados na Europa. Esta opção implicava que a localidade era
chamada a desempenhar um papel importante na organização do ensino… a tomar
parte ativa na difusão do ensino popular.
A instabilidade política que se viveu e a sucessão de governos com
diferentes orientações políticas não criaram condições para a implantação de
uma política que contrariasse a tradição centralizadora do nosso direito
público pós-medieval e as experiências de descentralização que ocorreram na 1.ª
República (1913-1918) e depois, em 1924 foram marcadas pelo insucesso.
“ …Investigando as causas que determinam o
atraso da nossa instrução primária e atendendo só às que nos parecem capitais
podemos considerar entre estas a administração, a situação do professorado,… a
falta de frequência escolar e a desorganização interna da escola…
Este
modelo político que definia que a instrução primária, até então centralizada
nas mãos do estado passava para a localidade. Era servido por uma estratégia
que chamava o município a concorrer com uma verba para financiar a escola
temporariamente, enquanto não se lançavam as bases de um capital para cada
freguesia. O governo acompanha nesta matéria a orientação política da Europa.
Na leitura histórica, Rómulo de Carvalho
(1986) e Nóvoa (1989), referem que o fracasso destas reformas ficam a dever-se
à fraca adesão dos municípios e dos professores. Os autarcas porque não
registam transferências de verbas suficientes para este encargo, não gerem as
verbas adequadamente e os professores porque tiveram más experiências com autarquias
que não pagaram os vencimentos atempadamente.
O conceito de descentralização só vem a reaparecer nos diplomas
posteriores à revolução de 25 de Abril de 1974, como a opção política
contraposta à tendência pesada de centralização que entretanto se consolidara na
administração pública portuguesa (atravessou a 1.ª República parlamentar e a
ditadura corporativa). A referência expressa ao termo desconcentração, nos
textos legais, é recente. Surge na reestruturação orgânica da Reforma de 1971,
como resposta à excessiva concentração territorial da Administração da
Educação, referida como um dos pontos críticos a superar. O diploma reconhece
as vantagens de ordem administrativa e dos ganhos de eficiência na gestão que
resultariam de uma racional desconcentração (art. 4.º D.L. n.º 408/71) e nele
se afirma ser preciso desconcentrar as responsabilidades centrais a favor de
adequadas estruturas regionais e locais.
O legislador limita-se a afirmar o princípio de divisão do
território metropolitano em circunscrições, em função das necessidades do
ensino, para efeitos de organização do funcionamento do sistema escolar e a
admitir a criação, em cada uma delas, de órgãos e serviços externos das várias
direções gerais que forem julgados convenientes (Ponto 8 do D.L. n.º 408/71).
Com a
necessária reserva, no que diz respeito às direções e delegações escolares,
que, desde muito cedo, se implantaram, de forma desconcentrada, ao nível dos
distritos, podemos dizer que as medidas de desconcentração só ganham
visibilidade e importância política e instrumental a partir de 1979 com a
criação dos serviços desconcentrados das direções gerais. Estes serviços
atuavam na direta dependência da direção geral respetiva e não estabeleciam
qualquer relação entre si.
Os conceitos de desconcentração e descentralização só ganham
consistência no quadro legislativo educativo, a partir da Lei de Bases do
Sistema Educativo e dos sucessivos diplomas que a regulamentaram, permitindo a
descentralização política para as Regiões Autónomas e para as Autarquias e uma
desconcentração de poderes para o nível regional da administração – as direções
regionais de educação e para a escola. No processo de distribuição de poderes,
a regra geral é a das competências partilhadas, conservando o Estado a
responsabilidade do serviço público. À luz dos conceitos jurídicos, a
desconcentração faz-se no território continental, pela distribuição de poderes,
no âmbito territorial, de cinco direções regionais de educação, as quais
assumem competências e responsabilidades das várias valências funcionais do
Sistema Educativo.
Em
diploma legal (D.L. nº 338/79 e 364/79), o governo da República procedeu à
transferência dos serviços periféricos do ME e definiu as atribuições que
passavam a pertencer às autonomias regionais e aquelas que reservavam ao
governo da República. É ao ME que compete definir e garantir a aplicação dos
princípios de gestão dos estabelecimentos de ensino, os programas, os planos
curriculares, os moldes de avaliação (art.º 2º).
Às Regiões
Autónomas compete assegurar o correto desenvolvimento da ação educativa e
promover a aplicação dos princípios gerais do serviço nacional de educação
garantindo o seu cumprimento, nomeando responsáveis para a gestão,
superintendendo na gestão do pessoal e dos recursos físicos e financeiros
(criam e alteram quadros de pessoal, efetuam todas as operações de
recrutamento, provimento e gestão, elaboram a carta escolar, financiam o
sistema).
No que
respeita à competência dos municípios, em matéria de educação, o quadro geral é
definido pela alínea e) do artigo 8.º do Decreto-lei n.º 77/84, de 8 de Março
que lhes comete a realização de investimentos públicos nos centros de educação
pré-escolar; nas escolas do ensino básico; em residências e centros de alojamento
de estudantes do ensino básico; em transportes escolares e outras atividades
complementares no âmbito da ação social escolar e no equipamento para a
Educação de base de adultos. A regulamentação deste Decreto-Lei foi feita quer em
vários diplomas legais quer pela assinatura de protocolos estabelecidos entre o
Ministério da Educação e a Associação Nacional de Municípios (ANMP).
QUADRO 2.1. DISTRIBUIÇÃO DE PODERES
COMPETÊNCIAS TRANSFERIDAS PARA AS DRES
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COMPETÊNCIAS CONSERVADAS PELA ADMINISTRAÇÃO CENTRAL
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• Coordenar, acompanhar e apoiar a organização e funcionamento
dos estabelecimentos de ensino nos âmbitos técnico pedagógico, de ação social
escolar, de desporto, gestão de recursos humanos físicos e materiais.
• Assegurar a coordenação e articulação dos vários níveis de
ensino não superior de acordo com as orientações definidas a nível central,
promovendo a execução da respetiva política.
• Promover o levantamento das necessidades e recolher as
informações necessárias
• Assegurar a divulgação de orientações dos serviços centrais e
de informação técnica aos estabelecimentos de educação e ensino.
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• Conceção programação e acompanhamento da gestão financeira
(DEPGEF)
• Conceção, orientação e coordenação pedagógica dos subsistemas
da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, educação
tecnológica artística e profissional e ensino superior (DESUP / DES / DEB)
• Conceção, coordenação e acompanhamento nas áreas de gestão de
recursos humanos ao serviço das escolas (DEGRE) e do quadro único do ME (SG)
e na definição de critérios que presidem ao ordenamento da rede dos
equipamentos educativos (DEB/ DES/ DEGRE)
• Acompanhamento e fiscalização nas vertentes pedagógicas e
técnica, controlo da eficiência administrativo-financeira de todo o sistema
educativo (IGE)
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Fonte: Leis orgânicas do
Ministério da Educação (1989)
Da leitura do quadro 2.1 infere-se que o Estado (ME) conservou as
competências mais importantes, aquelas que lhe permitem ter sempre o domínio do
Sistema Educativo, ao reservar-se o direito de conceber, programar, acompanhar
e fiscalizar as vertentes pedagógicas, técnicas e administrativas do sistema.
Atente-se que:
1 – O ensino não é descentralizado (definição de programas
nacionais, curricula nacionais);
2 – A rede escolar, entendida no sentido
lato, ou seja, a definição da tipologia das escolas, o tipo de ensino, as
opções curriculares, são determinadas centralmente;
3 – A atribuição dos meios indispensáveis à criação e funcionamento
da escola são da exclusiva competência dos serviços centrais, em particular, a
colocação de professores e afetação do orçamento;
4 – As despesas de funcionamento das escolas estão a cargo do
Estado. As direções regionais fazem executar as orientações dos serviços
centrais de quem dependem funcionalmente, coordenando atividades e zelando pela
aplicação de orientações centralmente definidas, no âmbito da sua área de
intervenção.
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