quinta-feira, 7 de junho de 2012


Ficha de Leitura/ Ficha Resumo

 Ramos, Conceição C.,REGULAÇÃO DOS SISTEMAS EDUCATIVOS, O CASO PORTUGUÊS
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 CONTEXTO JURÍDICO E ADMINISTRATIVO DA EDUCAÇÃO (1986-1993)

2.No ordenamento jurídico e normativo da Educação, sobretudo a partir de 1986, os termos desconcentração/descentralização, autonomia e participação são sistematicamente utilizados como conceitos estruturantes de um modelo de regulação que se pretende introduzir.

2.1. O conceito jurídico e administrativo de descentralização/desconcentração e autonomia

Em termos doutrinais e na abordagem jurídica e das Ciências da Administração estabelecem-se as seguintes distinções:
A descentralização administrativa corresponde a uma orgânica em que a gestão dos interesses locais é atribuída a pessoas coletivas territoriais, cujos órgãos são dotados de autonomia, podendo atuar livremente no desempenho dos poderes legais, apenas sujeitos à fiscalização dos atos pelos tribunais (Caetano, 1980; Amaral, 1992).
Politicamente a descentralização consiste no reconhecimento pelo poder político constituído, do direito de participação dos eleitos locais na gestão dos interesses públicos regionais ou locais e numa consequente partilha de poderes e competências.
A desconcentração, é um processo técnico que procura aumentar a eficiência dos serviços, permitindo um mais estreito conhecimento dos problemas e mais rápida decisão das pretensões dos particulares e das iniciativas públicas, aproveitando a organização vertical dos serviços, mediante a delegação de competências.
A desconcentração tem como objetivo tornar a administração central mais ágil e célere, aproximando a tomada de decisão do cidadão, mas a longa manus(subordinação/hierarquização) da administração não deixa de estar presente. A administração central está desconcentrada, quando o superior hierárquico não é o único competente para tomar decisões, isto é, quando em todos ou em alguns graus inferiores dos serviços se admitem chefias intermédias, embora sujeitas à direção, inspeção e superintendência dos superiores (Caetano, 1980).
A autonomia regional, expressamente qualificada pela Constituição, como político administrativo envolve a atribuição de poderes substancialmente políticos às regiões, devendo destacar-se o poder legislativo, poderes administrativos e poderes de participação de órgãos regionais em atos de competência de órgãos do Estado.
A autonomia administrativa consiste na capacidade que uma pessoa coletiva detém para exercer atos definitivos e executórios dos quais só cabe recurso contencioso.
Numa perspectiva de menor rigor técnico-jurídico, pode entender-se descentralização como o processo em que níveis subordinados de uma hierarquia são autorizados por um órgão superior a tomar decisão sobre o uso de recursos da organização. Neste sentido, são determinados os elementos do sistema que são descentralizados (gestão de pessoal, orçamento, gestão financeira) e para que níveis (regional, local, escola) são cometidas estas competências.
Neste caso, estabelecem-se dois tipos de distinções: a distinção entre descentralização política e administrativa e a distinção, no que respeita ao tipo de poder que é descentralizado, distinguindo-se entre desconcentração, delegação e devolução.
A descentralização política implica a atribuição de poderes sobre a Educação a cidadãos ou representantes de cidadãos, a níveis mais baixos do Estado. A descentralização administrativa é essencialmente uma estratégia de gestão.
O poder político permanece com os titulares do topo da organização, mas a responsabilidade e a autoridade de determinadas competências é cometida a níveis mais baixos da organização ou a órgãos autónomos, caso em que a autoridade permanece dentro da organização.
A desconcentração não é mais do que a transferência de responsabilidades de gestão do centro para a região ou para outros níveis mais baixos do Estado ou para organizações autónomas, no pressuposto de que a delegação pode ser avocada a qualquer momento.
Como define Marcello Caetano (1980), a devolução de poderes é um método que consiste em entregar a gestão de certos interesses ou feixes de interesses coletivos a um serviço personalizado e autónomo.
A lei devolve poderes que, em princípio, seriam do Estado, a pessoas coletivas que os exerçam através de órgãos próprios (donde a designação devolução de poderes) sobre as quais apenas estabelecerá uma ação tutelar, tendente à coordenação desses institutos com outras atividades públicas: o Estado realiza uma administração indireta, pois as suas atribuições são confiadas a distintas pessoas coletivas que não são mais do que o desdobramento da sua própria personalidade (Caetano 1980: 252).
A devolução é, deste modo, a forma mais concreta de descentralização e consiste na transferência de atividades de natureza financeira, administrativa, pedagógica ou científica de forma permanente sem possibilidade de avocação.

2.2. Descentralização/desconcentração nas Ciências de Gestão
Para as ciências da gestão, a descentralização e a desconcentração são dois princípios administrativos associados: um e outro são considerados meios eficientes para superar as limitações originadas por formas centralizadas de administração.  
A descentralização administrativa pode ser feita por serviços técnicos, por funções territoriais e por cooperação, enquanto a desconcentração consiste na delegação pela organização central para grupos internos e externos.

2.3 Descentralização/Desconcentração no quadro jurídico e normativo da Administração
O termo descentralização surge na Administração da Educação, em finais do século XIX, no diploma de criação do Ministério da Instrução Pública, associado a um projeto de intencionalidade política reformista, por oposição a princípios e práticas de centralização, que, teoricamente, se afastam, porque são vistas como causa da má situação do Estado.
Estava em questão a instituição do princípio de descentralização, num duplo movimento: de separação de funções do próprio governo que concentrara no Ministério do Reino a política interna, a administração, a saúde e a instrução e que autonomizava o Ministério da Instrução Pública e a transferência de competências do próprio ministério para a administração local.
Invocavam-se como fundamentos para proceder à descentralização argumentos técnicos e de gestão administrativa, a par de razões políticas de identificação com os modelos adotados na Europa. Esta opção implicava que a localidade era chamada a desempenhar um papel importante na organização do ensino… a tomar parte ativa na difusão do ensino popular.
A instabilidade política que se viveu e a sucessão de governos com diferentes orientações políticas não criaram condições para a implantação de uma política que contrariasse a tradição centralizadora do nosso direito público pós-medieval e as experiências de descentralização que ocorreram na 1.ª República (1913-1918) e depois, em 1924 foram marcadas pelo insucesso.
 “ …Investigando as causas que determinam o atraso da nossa instrução primária e atendendo só às que nos parecem capitais podemos considerar entre estas a administração, a situação do professorado,… a falta de frequência escolar e a desorganização interna da escola… 
Este modelo político que definia que a instrução primária, até então centralizada nas mãos do estado passava para a localidade. Era servido por uma estratégia que chamava o município a concorrer com uma verba para financiar a escola temporariamente, enquanto não se lançavam as bases de um capital para cada freguesia. O governo acompanha nesta matéria a orientação política da Europa.
 Na leitura histórica, Rómulo de Carvalho (1986) e Nóvoa (1989), referem que o fracasso destas reformas ficam a dever-se à fraca adesão dos municípios e dos professores. Os autarcas porque não registam transferências de verbas suficientes para este encargo, não gerem as verbas adequadamente e os professores porque tiveram más experiências com autarquias que não pagaram os vencimentos atempadamente.
O conceito de descentralização só vem a reaparecer nos diplomas posteriores à revolução de 25 de Abril de 1974, como a opção política contraposta à tendência pesada de centralização que entretanto se consolidara na administração pública portuguesa (atravessou a 1.ª República parlamentar e a ditadura corporativa). A referência expressa ao termo desconcentração, nos textos legais, é recente. Surge na reestruturação orgânica da Reforma de 1971, como resposta à excessiva concentração territorial da Administração da Educação, referida como um dos pontos críticos a superar. O diploma reconhece as vantagens de ordem administrativa e dos ganhos de eficiência na gestão que resultariam de uma racional desconcentração (art. 4.º D.L. n.º 408/71) e nele se afirma ser preciso desconcentrar as responsabilidades centrais a favor de adequadas estruturas regionais e locais.
O legislador limita-se a afirmar o princípio de divisão do território metropolitano em circunscrições, em função das necessidades do ensino, para efeitos de organização do funcionamento do sistema escolar e a admitir a criação, em cada uma delas, de órgãos e serviços externos das várias direções gerais que forem julgados convenientes (Ponto 8 do D.L. n.º 408/71).
Com a necessária reserva, no que diz respeito às direções e delegações escolares, que, desde muito cedo, se implantaram, de forma desconcentrada, ao nível dos distritos, podemos dizer que as medidas de desconcentração só ganham visibilidade e importância política e instrumental a partir de 1979 com a criação dos serviços desconcentrados das direções gerais. Estes serviços atuavam na direta dependência da direção geral respetiva e não estabeleciam qualquer relação entre si.
Os conceitos de desconcentração e descentralização só ganham consistência no quadro legislativo educativo, a partir da Lei de Bases do Sistema Educativo e dos sucessivos diplomas que a regulamentaram, permitindo a descentralização política para as Regiões Autónomas e para as Autarquias e uma desconcentração de poderes para o nível regional da administração – as direções regionais de educação e para a escola. No processo de distribuição de poderes, a regra geral é a das competências partilhadas, conservando o Estado a responsabilidade do serviço público. À luz dos conceitos jurídicos, a desconcentração faz-se no território continental, pela distribuição de poderes, no âmbito territorial, de cinco direções regionais de educação, as quais assumem competências e responsabilidades das várias valências funcionais do Sistema Educativo.
Em diploma legal (D.L. nº 338/79 e 364/79), o governo da República procedeu à transferência dos serviços periféricos do ME e definiu as atribuições que passavam a pertencer às autonomias regionais e aquelas que reservavam ao governo da República. É ao ME que compete definir e garantir a aplicação dos princípios de gestão dos estabelecimentos de ensino, os programas, os planos curriculares, os moldes de avaliação (art.º 2º).
Às Regiões Autónomas compete assegurar o correto desenvolvimento da ação educativa e promover a aplicação dos princípios gerais do serviço nacional de educação garantindo o seu cumprimento, nomeando responsáveis para a gestão, superintendendo na gestão do pessoal e dos recursos físicos e financeiros (criam e alteram quadros de pessoal, efetuam todas as operações de recrutamento, provimento e gestão, elaboram a carta escolar, financiam o sistema).
No que respeita à competência dos municípios, em matéria de educação, o quadro geral é definido pela alínea e) do artigo 8.º do Decreto-lei n.º 77/84, de 8 de Março que lhes comete a realização de investimentos públicos nos centros de educação pré-escolar; nas escolas do ensino básico; em residências e centros de alojamento de estudantes do ensino básico; em transportes escolares e outras atividades complementares no âmbito da ação social escolar e no equipamento para a Educação de base de adultos. A regulamentação deste Decreto-Lei foi feita quer em vários diplomas legais quer pela assinatura de protocolos estabelecidos entre o Ministério da Educação e a Associação Nacional de Municípios (ANMP). 




QUADRO 2.1. DISTRIBUIÇÃO DE PODERES
COMPETÊNCIAS TRANSFERIDAS PARA AS DRES
COMPETÊNCIAS CONSERVADAS PELA ADMINISTRAÇÃO CENTRAL
• Coordenar, acompanhar e apoiar a organização e funcionamento dos estabelecimentos de ensino nos âmbitos técnico pedagógico, de ação social escolar, de desporto, gestão de recursos humanos físicos e materiais.
• Assegurar a coordenação e articulação dos vários níveis de ensino não superior de acordo com as orientações definidas a nível central, promovendo a execução da respetiva política.
• Promover o levantamento das necessidades e recolher as informações necessárias
• Assegurar a divulgação de orientações dos serviços centrais e de informação técnica aos estabelecimentos de educação e ensino.

• Conceção programação e acompanhamento da gestão financeira (DEPGEF)
• Conceção, orientação e coordenação pedagógica dos subsistemas da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, educação tecnológica artística e profissional e ensino superior (DESUP / DES / DEB)
• Conceção, coordenação e acompanhamento nas áreas de gestão de recursos humanos ao serviço das escolas (DEGRE) e do quadro único do ME (SG) e na definição de critérios que presidem ao ordenamento da rede dos equipamentos educativos (DEB/ DES/ DEGRE)
• Acompanhamento e fiscalização nas vertentes pedagógicas e técnica, controlo da eficiência administrativo-financeira de todo o sistema educativo (IGE)
                       Fonte: Leis orgânicas do Ministério da Educação (1989)

Da leitura do quadro 2.1 infere-se que o Estado (ME) conservou as competências mais importantes, aquelas que lhe permitem ter sempre o domínio do Sistema Educativo, ao reservar-se o direito de conceber, programar, acompanhar e fiscalizar as vertentes pedagógicas, técnicas e administrativas do sistema. Atente-se que:
1 – O ensino não é descentralizado (definição de programas nacionais, curricula nacionais);
2 – A rede escolar, entendida no sentido lato, ou seja, a definição da tipologia das escolas, o tipo de ensino, as opções curriculares, são determinadas centralmente;
3 – A atribuição dos meios indispensáveis à criação e funcionamento da escola são da exclusiva competência dos serviços centrais, em particular, a colocação de professores e afetação do orçamento;
4 – As despesas de funcionamento das escolas estão a cargo do Estado. As direções regionais fazem executar as orientações dos serviços centrais de quem dependem funcionalmente, coordenando atividades e zelando pela aplicação de orientações centralmente definidas, no âmbito da sua área de intervenção.

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