domingo, 29 de abril de 2012


MODELOS E TENDÊNCIAS EVOLUTIVAS NOS SISTEMAS EDUCATIVOS EUROPEUS
                      
                                                                                                                                                                                                                                                                               
    A evolução dos sistemas educativos, nos últimos anos, realizou-se num contexto de processo acelerado de integração económica supranacional. Os estados nacionais entenderam que o momento requeria mudança e adaptação, a economia assim o exigia.
Para integrar o grupo da frente era necessário fazer adaptações. Formatar os estados nacionais de acordo com uma matriz comum. Esta “mundialização” traduziu-se por num conjunto de mudanças no plano económico que se concretizaram na liberalização dos movimentos de capitais, independentemente das fronteiras nacionais.
 Este tornou-se um fenómeno de âmbito mundial, do qual a construção da União Europeia faz parte. Estamos a assistir a “transnacionalização” do capital.
Estas alterações trouxeram, inevitavelmente, implicações ao funcionamento dos estados que são consentidas e conduzidas pelas autoridades políticas dos mesmos, no entanto reduzem a ação dos estados a um estatuto marginal. A sua ação passou a consistir em assegurar a melhor integração da sua sociedade no quadro mundial, contribuindo para a emergência de uma “sociedade mundo” à qual corresponde um mercado mundial único (Mercure, 2001).
Apoderou-se dos estados nacionais um temor compreensível, interpretaram esta nova realidade como uma oportunidade única para alcançar o desenvolvimento.
Do ponto de vista político, a racionalidade económica supranacional sobrepôs-se à racionalidade política nacional, o que, como assinala Habermas (1998, p.74), cria uma situação de “evicção da política pelo mercado consubstanciada num défice de legitimidade das instâncias políticas nacionais”. Estas confrontam-se com o duplo constrangimento de terem de responder perante duas instâncias distintas, o seu eleitorado e o mercado internacional de capitais procurando agir no sentido de extrair do processo democrático políticas conformes às exigências dos mercados (Crough & Streeck, 1996).
Estas mudanças trouxeram implicações importantes para a educação, esta nova ordem alterou e tornou obsoletos os sistemas educativos concebidos num quadro de âmbito nacional. Os sistemas económicos baseados no capitalismo e apostados nos serviços exigiam mais qualificação para gerar mais produtividade, num mundo global. Tornou-se necessário proceder à massificação do ensino para produzir uma mão-de-obra mais qualificada e mais polivalente. Foi exigido à escola que desempenhasse papéis sociais para os quais não estava preparada e não tinha meios. Era necessário formatar pessoas para satisfazer esta nova realidade. A finalidade de construir uma coesão transnacional deu lugar a uma subordinação funcional às políticas educativas e aos imperativos de carácter económico inerentes a um mercado global e único. Procedeu-se à “convergência, na regulação dos sistemas educativos dos diferentes países, que resulta da emergência de um processo de “regulação transnacional” (Barroso, 2005).
Para que este processo de regulação transnacional funcione os organismos supranacionais, nomeadamente o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional, a OCDE, a Unesco, a Comissão Europeia e o Conselho da Europa, continuam a desempenhar um papel fundamental, através de programas de cooperação técnica, de apoio à investigação e ao desenvolvimento. Sugerem/impõem, de modo uniformizado, diagnósticos, técnicas e soluções.
A regulação transnacional das políticas educativas opera-se por “contaminação”, e “externalização” entre países e as medidas tomadas ao nível nacional são legitimadas pelos exemplos do exterior (Barroso, 2005).
A emergência de um processo de regulação transnacional dos sistemas educativos, implica o recuo político do Estado-Nação, que pela sua existência geram conflitos e se instituem como um obstáculo à afirmação plena de uma “educação sem fronteiras”, concretizada num “comércio mundial de serviços educativos”, como sustenta Martin Lawn (2005).
No plano nacional, a mercantilização da educação exprime-se, através da adoção, por parte dos sistemas públicos, de modalidades de gestão próximas dos critérios empresariais (“new public management”), traduzidos na concorrência entre estabelecimentos de ensino, acompanhada por modalidades de segregação escolar, por via das escolhas parentais e de mecanismos de seleção dos alunos, ou pela atribuição a entidades privadas da prestação de serviços educativos até agora internos aos serviços públicos. Surge uma nova forma de exclusão social, camuflada pela equidade na educação.
A influência dos organismos supranacionais na definição e uniformização de políticas exerce-se, através de mecanismos de financiamento, segundo uma lógica de “programas” de “livre” e “voluntária” adesão que concorrem, segundo António Nóvoa (2005), para a consolidação de um “mercado mundial da educação”.
A dificuldade em compreender os novos modos de regulação que estão a ser postos em prática tem a ver com o “gouvernance”. Este novo conceito apela a modalidades de regulação, num contexto em que se verifica “uma interpenetração de fronteiras entre o técnico e o político, entre o público e o privado, entre o nacional e o internacional” (Defarges, 2003). É esta situação que torna urgente encontrar novas legitimidades que permitam repensar o “viver em conjunto” no mundo (Revel, 2006).
As missões de reprodução de uma cultura e de uma força de trabalho nacionais deixam de fazer sentido numa perspectiva globalizada. No entanto não devemos esquecer que a identidade de cada Estado é a sua maior riqueza, temos que melhorar o que temos, sem o descaracterizar com a aplicação avulsa de medidas do exterior. Ao compararmos o sistema educativo finlandês com os restantes sistemas educativos podemos cair na tentação de esquecer os contextos em que cada um se operacionaliza. O sistema finlandês é, por certo, ótimo mas funciona porque foi criado para aquela realidade específica, para aquelas pessoas, em concreto.
Os povos do Sul da Europa vivem uma realidade diferente, num contexto específico, pelo que necessitam de um sistema educativo adequado às suas especificidades, não de implementar medidas descontextualizadas. Urge repensar a educação no plano da equidade. Igualdade de oportunidades significa respeito pela diferença.
Temos que ultrapassar esta obsessão pelo nivelamento avulso entre Estados, baseada apenas em indicadores económicos, num processo acelerado de integração económica supranacional. A comparação entre Estados baseada neste fatores torna-se redutora e fragiliza a coesão transnacional que se pretende. A inter-relação entre Estados quebra o isolamento e permite troca de experiencias muito enriquecedoras, temos que valorizá-las para que esta nova realidade, prescrita e decretada do exterior, por entidades que pouco dizem ao cidadão comum, não gere desconforto e incompreensão para não perdermos de vista a linha do horizonte.
                           
            
«Antes de mais, o homem começou por formar uma consciência cívica e fraterna, fundada em amor e fez depois as reformas consoantes. Mas parece que se resolveu matar primeiro o homem e a sua harmonia espontânea …» Miguel Torga

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