MODELOS E TENDÊNCIAS
EVOLUTIVAS NOS SISTEMAS EDUCATIVOS EUROPEUS
A
evolução dos sistemas educativos, nos últimos anos, realizou-se num contexto de
processo acelerado de integração económica supranacional. Os estados nacionais
entenderam que o momento requeria mudança e adaptação, a economia assim o
exigia.
Para
integrar o grupo da frente era necessário fazer adaptações. Formatar os estados
nacionais de acordo com uma matriz comum. Esta “mundialização” traduziu-se por
num conjunto de mudanças no plano económico que se concretizaram na
liberalização dos movimentos de capitais, independentemente das fronteiras
nacionais.
Este tornou-se um fenómeno de âmbito mundial, do
qual a construção da União Europeia faz parte. Estamos a assistir a “transnacionalização”
do capital.
Estas alterações trouxeram,
inevitavelmente, implicações ao funcionamento dos estados que são consentidas e
conduzidas pelas autoridades políticas dos mesmos, no entanto reduzem a ação
dos estados a um estatuto marginal. A sua ação passou a consistir em assegurar
a melhor integração da sua sociedade no quadro mundial, contribuindo para a
emergência de uma “sociedade mundo” à qual corresponde um mercado mundial único
(Mercure, 2001).
Apoderou-se dos estados nacionais um
temor compreensível, interpretaram esta nova realidade como uma oportunidade
única para alcançar o desenvolvimento.
Do ponto de vista político, a
racionalidade económica supranacional sobrepôs-se à racionalidade política
nacional, o que, como assinala Habermas (1998, p.74), cria uma situação de
“evicção da política pelo mercado consubstanciada num défice de legitimidade
das instâncias políticas nacionais”. Estas confrontam-se com o duplo
constrangimento de terem de responder perante duas instâncias distintas, o seu
eleitorado e o mercado internacional de capitais procurando agir no sentido de
extrair do processo democrático políticas conformes às exigências dos mercados
(Crough & Streeck, 1996).
Estas mudanças trouxeram implicações
importantes para a educação, esta nova ordem alterou e tornou obsoletos os
sistemas educativos concebidos num quadro de âmbito nacional. Os sistemas
económicos baseados no capitalismo e apostados nos serviços exigiam mais
qualificação para gerar mais produtividade, num mundo global. Tornou-se
necessário proceder à massificação do ensino para produzir uma mão-de-obra mais
qualificada e mais polivalente. Foi exigido à escola que desempenhasse papéis
sociais para os quais não estava preparada e não tinha meios. Era necessário
formatar pessoas para satisfazer esta nova realidade. A finalidade de construir
uma coesão transnacional deu lugar a uma subordinação funcional às políticas
educativas e aos imperativos de carácter económico inerentes a um mercado
global e único. Procedeu-se à “convergência, na regulação dos sistemas
educativos dos diferentes países, que resulta da emergência de um processo de
“regulação transnacional” (Barroso, 2005).
Para que este processo de regulação
transnacional funcione os organismos supranacionais, nomeadamente o Banco
Mundial, o Fundo Monetário Internacional, a OCDE, a Unesco, a Comissão Europeia
e o Conselho da Europa, continuam a desempenhar um papel fundamental, através
de programas de cooperação técnica, de apoio à investigação e ao desenvolvimento.
Sugerem/impõem, de modo uniformizado, diagnósticos, técnicas e soluções.
A regulação transnacional das políticas educativas
opera-se por “contaminação”, e “externalização” entre países e as medidas
tomadas ao nível nacional são legitimadas pelos exemplos do exterior (Barroso,
2005).
A emergência de um processo de regulação
transnacional dos sistemas educativos, implica o recuo político do
Estado-Nação, que pela sua existência geram conflitos e se instituem como um
obstáculo à afirmação plena de uma “educação sem fronteiras”, concretizada num
“comércio mundial de serviços educativos”, como sustenta Martin Lawn (2005).
No plano nacional, a mercantilização da
educação exprime-se, através da adoção, por parte dos sistemas públicos, de
modalidades de gestão próximas dos critérios empresariais (“new public
management”), traduzidos na concorrência entre estabelecimentos de ensino,
acompanhada por modalidades de segregação escolar, por via das escolhas
parentais e de mecanismos de seleção dos alunos, ou pela atribuição a entidades
privadas da prestação de serviços educativos até agora internos aos serviços
públicos. Surge uma nova forma de exclusão social, camuflada pela equidade na
educação.
A influência dos organismos
supranacionais na definição e uniformização de políticas exerce-se, através de
mecanismos de financiamento, segundo uma lógica de “programas” de “livre” e “voluntária”
adesão que concorrem, segundo António Nóvoa (2005), para a consolidação de um
“mercado mundial da educação”.
A dificuldade em compreender os novos
modos de regulação que estão a ser postos em prática tem a ver com o
“gouvernance”. Este novo conceito apela a modalidades de regulação, num
contexto em que se verifica “uma interpenetração de fronteiras entre o técnico
e o político, entre o público e o privado, entre o nacional e o internacional”
(Defarges, 2003). É esta situação que torna urgente encontrar novas
legitimidades que permitam repensar o “viver em conjunto” no mundo (Revel,
2006).
As missões de reprodução de uma cultura
e de uma força de trabalho nacionais deixam de fazer sentido numa perspectiva
globalizada. No entanto não devemos esquecer que a identidade de cada Estado é a
sua maior riqueza, temos que melhorar o que temos, sem o descaracterizar com a
aplicação avulsa de medidas do exterior. Ao compararmos o sistema educativo
finlandês com os restantes sistemas educativos podemos cair na tentação de
esquecer os contextos em que cada um se operacionaliza. O sistema finlandês é,
por certo, ótimo mas funciona porque foi criado para aquela realidade
específica, para aquelas pessoas, em concreto.
Os povos do Sul da Europa vivem uma
realidade diferente, num contexto específico, pelo que necessitam de um sistema
educativo adequado às suas especificidades, não de implementar medidas
descontextualizadas. Urge repensar a educação no plano da equidade. Igualdade
de oportunidades significa respeito pela diferença.
Temos que ultrapassar esta obsessão pelo
nivelamento avulso entre Estados, baseada apenas em indicadores económicos, num
processo acelerado de integração económica supranacional. A comparação entre
Estados baseada neste fatores torna-se redutora e fragiliza a coesão
transnacional que se pretende. A inter-relação entre Estados quebra o
isolamento e permite troca de experiencias muito enriquecedoras, temos que
valorizá-las para que esta nova realidade, prescrita e decretada do exterior,
por entidades que pouco dizem ao cidadão comum, não gere desconforto e
incompreensão para não perdermos de vista a linha do horizonte.
«Antes de mais, o homem começou por
formar uma consciência cívica e fraterna, fundada em amor e fez depois as
reformas consoantes. Mas parece que se resolveu matar primeiro o homem e a sua
harmonia espontânea …» Miguel Torga
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