domingo, 29 de abril de 2012


Ficha de Leitura

A EVOLUÇÃO DA ECONOMIA E DO EMPREGO. NOVOS DESAFIOS PARA OS SISTEMAS EDUCATIVOS NO DEALBAR DO SÉCULO XXI
 Roberto Carneiro

 l. A EDUCAÇÃO COMO IMPERATIVO ECONÓMICO
Durante as últimas décadas os sistemas educativos viveram sob o domínio do paradigma económico, educação valia pela sua função económica. Aos fatores de produção clássicos – capital, terra e trabalho, a inteligência económica juntou o investimento em tecnologia e conhecimento para explicar o fator residual, da teoria do desenvolvimento (anos 60).
A euforia económica do pós-guerra, radicada na crença de um crescimento sem limites, nem fronteiras, propiciou a emergência da modernidade industrial centrada na configuração do Estado-Nação, na razão providencial e nas relações de troca efetuadas num mercado dinâmico, estruturado em torno de dois pólos: um aparelho produtivo e um sistema de consumidores.
 A sociedade adquiriu o estatuto de máquina potente e inexorável, motor supremo da sociedade e chave de interpretação total do seu devir.
Neste contexto de otimismo internacional, o modelo de economia capitalista e o sistema constituído pelo conjunto de "nações industrializadas" reunidas sob a bandeira da OCDE, liderou os principais fatores mundiais de crescimento: capital, ciência e tecnologia, trabalho qualificado, mercados de bens e serviços, conceções de gestão.
O modelo educativo considerado “politicamente correto" foi influenciado pelas teorias do capital humano formuladas a partir dos anos 60 (Schultz, Becker, Denison, Blaug,Harbison, Mincer) e assentes no valor económico da educação como sustentáculo do pleno emprego e da geração de altas taxas de rentabilidade social e privada.
As medidas de stock educativo da população passaram a ser tão relevantes quanto as medidas de ativos tangíveis para avaliar a solidez de um determinado sistema económico. Nesta linha de raciocínio apuraram-se as metodologias de cálculo do retorno do investimento económico em educação, por níveis de escolaridade. Com base nas múltiplas estimativas publicadas, tornou-se praticamente consensual que:
(I) o retorno ao investimento educativo é alto e geralmente superior à rentabilidade média de 10% considerada boa para investimentos económicos;
(II) a taxa de rentabilidade é mais elevada nos escalões básicos de escolaridade, diminuindo monotonicamente à medida que se sobe nos níveis educativos;
(III) a rentabilidade do esforço financeiro na educação é muito maior nos países menos desenvolvidos do que nos países de maior rendimento per capita;
(IV) os progressos na educação produzem "externalidades" importantes, compulsando-se benefícios inequívocos em áreas como a saúde, o índice de participação cívica e a propensão à inovação, os quais transportam valor acrescentado económico. O modelo industrial de educação seguiu, assim, a mesma lógica da produção e do consumo massificados que inspirava o sistema económico de referência.



2. UMA ECONOMIA EM FIM DE CICLO
O futuro deixou de ser uma projeção linear ou balística do passado; as trajetórias prospectivas das economias bem como das sociedades deixaram de ser determinadas pela mera fixação/compreensão das condições iniciais dos sistemas – o tempo autonomizou-se como variável heterogénea e recurso estratégico numa civilização acometida da ideologia da urgência.
Enquanto os países asiáticos e do Pacífico entravam num ciclo expansionista, o continente africano, afundava-se na estagnação ou mesmo na mais confrangedora regressão económica e social, abandonado por uma Europa ensimesmada sobre os seus problemas. Esta vê-se invadida por um europessimismo: a ocidente, a construção da União Europeia atravessa uma profunda crise económica, a mais forte dos últimos 40 anos. Em simultâneo vive uma sensação de vazio de valores de referência, pela inércia das suas instituições consuetudinárias e uma gravíssima perda de credibilidade do papel do Estado; a leste, as novas democracias fragilizadas e a vulnerabilidade de um sistema destituído de instrumentos credíveis de regulação política e de sustentação equilibrada da economia de mercado tornam-no palco para a concentração do ódio intercultural e da violência interétnica bem como a proliferação de um capitalismo selvagem e precariamente defendido pela penetração do sub-mundo da criminalidade internacional, da violência organizada e da anomia social.
No continente americano, a norte, acelera-se um processo de integração económica ao abrigo de um NAFTA dominado pelo poderio económico e tecnológico dos EUA cuja liderança internacional depende do alargamento dos mercados contíguos sob sua influência. Em contrapartida, a região latino-americana e das Caraíbas vive vergada sob o peso da pobreza e da desigualdade e sobre os correspondentes esforços de estabilização económico--financeira no traumático pós-ajustamento estrutural.
Neste cenário de crise, os processos produtivos viram-se transformados sob o estímulo das novas tecnologias, de uma diferente hierarquia de valores e do incremento da competição internacional.
A humanidade encontra-se repentinamente sem as certezas das ciências económicas e num ambiente de incertezas e perplexidades: crise de emprego, erosão inflacionista, descontrole dos défices públicos, alastramento das desigualdades, propagação de comportamentos económicos destituídos de conteúdo ético...

3. EUROPA: UMA CRISE ESTRUTURAL
Num mosaico político-económico e cultural tão diferenciado a humanidade sente-se num complexo processo de transição para o qual não se encontrava preparada. O mundo ocidental, particularmente o continente europeu, vê-se mergulhado numa difícil conjuntura onde se mistura a ingovernabilidade institucional e a dificuldade de adaptação criativa a um tempo onde a Europa já não lidera a marcha da história nem lhe cabe o protagonismo determinante no palco das grandes decisões mundiais.
As nações ditas ocidentais ou da matriz cultural europeia sofrem profundas convulsões decorrentes das contradições do modelo de vida que adotou.
Na perspectiva estrita da envolvente económica e do emprego podem seriar-se:
a) A globalização da economia sob a influência dos grandes espaços económicos, dos mercados internacionais, da mobilidade dos fatores e da aproximação criada pelas novas tecnologias da comunicação e da informação.
b) Os limites da economia de mercado como sistema de interpretação total da sociedade e do homem, assim como a sua notória falência na compatibilização entre crescimento e solidariedade.
c) A intensa terciarização do tecido produtivo que passa de uma economia de bens a uma economia de serviços (servucção).
d) A escassez de postos de trabalho como fenómeno persistente e autónomo, indiferente aos ciclos económicos conjunturais de contração ou expansão.
e) A rápida mudança da natureza e do conteúdo das estruturas ocupacionais com predomínio das categorias de forte valor acrescentado exigindo cada vez mais habilitações em detrimento da mão-de-obra indiferenciada.
f) A elevação acentuada das taxas de atividade feminina que vai de par com a queda da fecundidade e da natalidade.
g) A diminuição da poupança – privada e pública – devido ao consumismo, acarretando uma rarefação da capacidade crítica de investimento das economias.
h) O colapso dos valores comportamentais das lideranças, expressos pelos agentes económicos e políticos que se mostram vulneráveis à corrupção, perante a "ambiguidade" tolerante das democracias representativas em choque visível com a crescente intolerância das "democracias de opinião".
i) O contraste entre os valores económicos paradigmáticos sobre que assentam os ordenamentos asiático e ocidental.
No espaço económico e cultural que é a Europa, citaremos três das principais condicionantes económicas que integram a partilha de um sentimento crítico alargado e que acarretam consequências profundas para os sistemas educativos:
a) O paradoxo de uma abundância de trabalho (melhor saúde, esperança de vida alargada, desejo de participação) confrontada com a escassez de emprego. O desemprego e a dimensão que atinge nos países desenvolvidos, sem que se vislumbre solução estrutural para reverter uma situação estrutural de afastamento dos mecanismos produtivos. Na cultura ocidental, o fenómeno vem agravado pela circunstância de o acesso ao emprego remunerado se confundir desde sempre com a socialização efetiva do indivíduo e com a aquisição do estatuto de cidadania plena. Veja-se o insucesso das reuniões e das cimeiras que se revelam impotentes para aprovar medidas consequentes de reanimação do mercado de emprego A conquista de altos índices de competitividade e de crescimento da produtividade fazem-se contra o emprego. O dualismo emergente começa a ser o que distingue famílias "ricas em emprego" e famílias "pobres em emprego", numa lógica cruel onde o desemprego de longa duração é sinónimo de desencorajamento, desânimo e precária sobrevivência.
b) O alastramento da exclusão e das bolsas de marginalidade. Sociedades aparentemente mais ricas tornaram-se menos justas revelando-se incapazes de conter a polarização induzida pelo mercado neoliberal e o acentuado dualismo social. A extrema pobreza, que se acolhe sob o lumpen urbano, ultrapassa o "nexus" económico que é encarado como uma implacável máquina, desmunida de alma e de humanidade.
A coexistência difícil e contraditória de pronunciamentos programáticos – Livro Branco para o crescimento, competitividade e emprego e Livro Verde para a política social europeia – é indiciadora da ausência de uma estratégia integrada de desenvolvimento sustentável que só se poderá fundamentar na prioridade ao fator humano.
 O círculo virtuoso da economia que redunda num círculo vicioso da sociedade cuja ratio intrínseca reendereça ao sistema produtivo a fatura social do desemprego que ele provoca em nome do supremo valor da eficiência.
c) A lentidão na adaptação das instituições europeias aos sectores de ponta da economia e da sociedade. Sindicatos, patronato, organismos oficiais, escolas, centros de regulação, monopólios estatais, sistemas jurídicos e de feitura de legislação, instituições de ciência e de cultura, administrações centrais e locais, vêm revelando uma notória inércia de inovação perante o ritmo a que noutras latitudes e longitudes progridem as telecomunicações, a sociedade da informação e do conhecimento, os universos multimédia, o software de gestão de organizações complexas, a telemática ou os sistemas audiovisuais, apenas, algumas fronteiras mais dinâmicas das economias modernas.
O peso imobilista das instituições e uma mentalidade "entorpecida" são inibidores da relação europeia com o resto do mundo e lançaram sinais alarmantes de fragilidade.

4. O ALASTRAMENTO DA INSATISFAÇÃO EM RELAÇÃO AO MODELO ECONÓMICO
As condicionantes económicas sentidas na Europa têm importantes consequências de "arrastamento" para a perceção do futuro dos nossos sistemas educativos. Embora seja evidente que as novas questões económicas constituam apenas uma parte da pós-modernidade, elas induzem a indispensabilidade de uma completa reanálise dos sistemas tradicionais, salientaremos, cinco pontos focais de insatisfação larvar:
a) A persistente verificação da ocorrência de insucesso na escolaridade básica dos sistemas educativos das sociedades mais desenvolvidas, denunciam as insuficiências de um sistema que não tem resposta para uma multidão de inadaptados escolares que se transformam em populações periféricas de um mercado de trabalho cuja estrutura ocupacional comporta cada vez menos trabalho indiferenciado.
b) O esgotamento de um modelo educativo positivista assente no pressuposto da empregabilidade imediata e garantida. Os estudos permitiam o ingresso seguro num mercado de trabalho em permanente expansão e alimentavam a ilusão de uma certeza económica, onde a pirâmide ocupacional mais ou menos estratificadas estava em direta correlação com cada um dos níveis de saídas do sistema educativo-formativo. Hoje, a relação entre emprego e educação inicial é difusa e estocástica.
c) A perceção dos limites do Estado como principal prestador e gestor de serviços educativos numa época marcada pela explosão da diversidade de raiz comunitária e pela legítima aspiração de diferenciação cultural.
 O Estado monolítico e hegemónico está ser invadido por um permanente desejo uniformizador e padronizador, manifestamente desconforme com a riqueza genuína da textura sociocultural.
 A lógica burocrática levada ao extremo formalismo revela-se não só ineficiente como tendencialmente iníqua, injusta e fomentadora da desigualdade pela sua cumplicidade com a força dos "lobbies" mais poderosos e distorcedores da realidade das necessidades efetivas.
d) A patente inadequação de sistemas educativos fundamentados na soberba identitária e no autismo cultural. A escola foi durante décadas instrumento de seleção social baseada na superioridade de uma cultura dominante em confronto com culturas minoritárias, a qual traduzia os valores classistas de um estrato médio populacional desejoso de impor uma segmentação económica do mercado de trabalho em função dos seus preconceitos de excelência cívica e dos seus egoísmos sociais.
A intensa mobilidade populacional e o influxo vigoroso dos ventos da liberdade criaram  complexas exigências, a uma escola cada vez mais intercultural defrontada com o desafio de construir a coesão na diversidade e de implantar os fundamentos de uma democracia renovada.
 Está aqui implícita a ideia de uma escola que é uma esfera pública de ação comunitária independentemente da sua titularidade ou propriedade que só se pode compreender no total empenhamento de construir culturas que pensam ativamente nas outras culturas e nos outros protagonistas da história da humanidade.
Nesta democracia, a revigorada regra do governo de maioria acolhe a natural expressão das minorias enquanto cada grupo minoritário aprende a conter os impulsos centrifugadores.
e) As insuficiências de um modelo educativo ordenado em torno de objetivos estritamente cognitivos e intelectuais.
As empresas prezam cada vez mais pessoas portadoras de valores suscetíveis de integrarem culturas organizacionais coesas e éticas empresariais sólidas como o funcionamento macro das sociedades e das suas instituições de regulação.
 A qualidade intrínseca da democracia, só uma cidadania esclarecida pode propiciar na maturidade do exercício dos direitos políticos e da fruição das liberdades fundamentais. O desenho curricular moderno é tributário do projeto educativo integral que anima cada centro e requer atitudes de síntese e de inteligibilidade que só um sentido apurado de formação pessoal e social pode estimular.

5. EDUCAÇÃO: DE FACTOR A FINALIDADE DO DESENVOLVIMENTO
Até agora o sistema educativo foi encarado num ângulo instrumental de fator importante de crescimento económico e de vantagem competitiva das nações. Os cálculos de taxas de rentabilidade do investimento educativo permitem os retornos aos financiamentos.
A essa escola neoclássica de pensamento económico veio juntar-se a teoria neo-schumpeteriana do desenvolvimento que enfatiza o valor económico de um processo de inovação que se difunde continuadamente tanto no espaço como no tempo e onde os agregados de novas tecnologias, em constante e dinâmica renovação, contêm vastas possibilidades de incrementos de produtividade e de produção.
Ambas as escolas de reflexão acabam por concluir que o desenvolvimento sustentável e duradouro exige um limiar crítico de investimento continuado no fator humano e mudanças organizacionais ao nível institucional que substituem as tradicionais pirâmides taylorianas por "organizações que aprendem" (learning organizations), isto é, sistemas muito mais "biológicos" que "físicos". Ensaios de regressão econométrica realizados no âmbito do Banco Mundial (Londoño, 1995) pretendem demonstrar que a explosão das economias asiáticas tem por suporte um nível educativo da população ativa manifestamente superior ao "esperado".
A investigação mais rica debruça-se sobre um mundo de imaturidade e de fatores intangíveis e aposta na riqueza do sujeito ativo do desenvolvimento: a pessoa humana. A educação é valor superlativo de humanidade e de civilização.
A economia deixa, de se justificar por si própria ou de constituir-se em centro de gravidade soberano de toda a lógica de funcionamento das sociedades. Ao contrário, a recuperação da centralidade humanista presente em todas as grandes civilizações e culturas universais recoloca o Homem e a sua caminhada ascensional no fulcro da interpretação histórica.

6. CAPITAL HUMANO E CAPITAL SOCIAL OU A FORMAÇÃO DE CULTURAS DE RESISTÊNCIA
Uma leitura dos tempos escorada num humanismo revisitado acarreta como consequência natural a rejeição vigorosa de um sistema económico que toma por irremediável a pauperização continuada de largos segmentos da população como preço da acumulação patrimonial ilimitada por uma minoria restrita de privilegiados.
A observação atenta de sociedades excessivamente desiguais – miséria, violência e insegurança – demonstra que mesmo os ricos dificilmente se podem sentir felizes quando rodeados por um quadro de degenerescência humana ou aprisionados no interior das suas cidadelas residenciais, policiadas e protegidas como se se tratasse de fortalezas inexpugnáveis. A impossibilidade de usufruir da liberdade singela de passear numa cidade ou de saborear o convívio espontâneo com os demais concidadãos representa uma pobreza espiritual insusceptível de compensação na mera acumulação de bens materiais.
A regra económica da ocorrência e da competição num mercado aberto é todavia inapelável. Não é possível clamar pela construção de sociedades solidárias e humanistas que sejam economicamente débeis e perdedoras no difícil confronto da competitividade internacional. Tal seria condenar essas comunidades à miséria material e ao "desarmamento económico" numa ordem internacional estigmatizada pela pulsão produtiva concorrencial. As nações procuram aperfeiçoar o funcionamento dos mercados e estimular a competitividade das suas unidades económicas numa perspectiva de vencer na livre concorrência. Como afirma N. Bobbio numa das suas mais interessantes obras, a única diferença hoje percetível é aquela que separa os que aceitam a desigualdade social como natural e aqueles que consideram imperativo combater por todos os meios a desigualdade como iníqua e redutora da condição humana.
É na maior ou menor sensibilidade social, e nas medidas de compensação de um mercado polarizador e pouco solidário, que reside a distinção entre estilos de governação. Nesta medida acaba por ser na prioridade educativa que se mede a sinceridade das políticas sociais e que se encontra a divisória mais visível que separa as águas entre o neoliberalismo económico puro e as estratégias económicas que preservam um rosto humano e uma preocupação solidária, por outro.
É claro que ao eleger a educação como indicador por excelência das políticas sociais estamos implicitamente a ultrapassar o mero conceito economicista de acumulação de capital humano por muito rica que esta teorização se revele. Esta vulgarizada doutrina radica na dupla premissa económica de que o comportamento individual é ditado exclusivamente por determinantes de racionalidade económico-financeira (o Homo Economicus) e também que o processo de desenvolvimento económico moderno maximiza a procura de qualificações produtivas.
Uma conceção integrada da função educativa combina a acumulação de capital humano com a formação de capital social. A educação passa a ser encarada como a principal determinante da reversão da pobreza estrutural e o único fator que pode ser verdadeiramente responsável por vencer o "círculo de ferro da exclusão" formulado com base na asserção evidente de que, a pobreza socializa inevitavelmente para a continuação da pobreza.
A capacitação pessoal e grupal para dar o salto qualitativo que permite superar a fatalidade intergeracional que "ghettoiza" de pais para filhos e de avós para netos e cria, simultaneamente, o sentido de passividade ou de impotência perante a adversidade acumulada só pode resultar de um processo emancipador de educação ("empowerment"). Sem compromisso na criação de capital social a partir de um sólido implante comunitário, a escola remete-se tecnocraticamente à repartição funcional do conhecimento que melhor convém à mera reprodução das estruturas e categorias sociais dominantes.
Esta passagem conceptual significa o reconhecimento de que a educação é a principal causa do diferencial de riqueza entre nações e a mais poderosa alavanca de inconformismo perante a "fatalidade" da pobreza pessoal. Nestas circunstâncias, o efeito conjugado de capitalização humana e social viabilizaria a emergência de verdadeiras culturas de resistência orientadas para a mobilização das pessoas e das vontades para se oporem à invasão de fundamentalismos redutores que infiltram os interstícios das sociedades abertas e minam os fundamentos da convivialidade livre na multifacetada polis moderna.
Em síntese, a reversão da delicada propagação nas nossas sociedades atuais de muitas ideias e movimentos anestesiantes da liberdade pessoal e, por consequência, simplisticamente totalitárias exige a superação do seu terreno de eleição que são a ignorância, a miséria material, a atitude demissionária e a fragilidade moral.
A educação é o caminho que melhor emancipa o ser humano da mais abjeta manipulação, seja por via dos símbolos, seja pelo apelo continuado aos instintos mais rudimentarmente negativos.

7. NOVAS COMPETÊNCIAS E NOVO PROFISSIONALISMO
O redesenho institucional do figurino educativo para o adequar aos desafios da mudança e da incerteza, do futuro, para integrar o desígnio competitivo com o dever irrenunciável de solidariedade faz apelo a uma simbiose complexa de aprendizagens novas e antigas.
Aprender a viver juntos, aprender a aprender juntos e aprender a crescer juntos, compreende um ideário educativo tão ambicioso quanto essencial, sobretudo quando cotejados nas três trilogias de valores constitutivos propostos para reflexão e elaboração subsequentes. Partindo da solidariedade para chegar à excelência encontra-se contida uma proposta de trajetória que visa encontrar um justo equilíbrio entre humanidade e competição, entre tradição e modernidade, entre cultura de convivência e cultura de trabalho.
Esta teoria geral da educação aponta para aquilo que alguns autores designam por um "Novo Profissionalismo" (Lutz, 1994) que valoriza competências metacognitivas e horizontais de eficácia alargada e resistente à usura quer do tempo, quer da mudança acelerada. As prioridades educativas passam a situar-se, no foro da construção de competências:
- Comunicacionais; - relacionais; - criativas; - tecnológicas; - negociais; - estéticas; - éticas; - comunitárias; - de cidadania.
A capacitação para a elaboração de raciocínios por possibilidades alternativas, na constante formulação de hipóteses inovadoras como resultado da recusa das soluções únicas, monoliticamente impostas, assim como a habilitação para o exercício continuado de uma aprendizagem independente, decorrente de uma permanente avaliação pessoal de insuficiências, são ingredientes ativos desse novo profissionalismo.
Pela ponderada assimilação destas capacidades de ordem superior, na aceção de L. Resnick, a educação estaria a contribuir ativamente para a emergência de uma nova renascença produzida na intersecção da tecnologia e das artes, da economia e do humanismo, da eficácia e dos valores universais, das ciências "duras" e "moles", da razão e do mistério.

8. AS TRÊS SOCIEDADES DO FUTURO
Nesta deambulação pelos meandros do futuro somos tentados a vislumbrar uma sociedade multifacetada e pluridimensional sustentada em três pilares.
Primeiro, a Sociedade do Risco, que premeia o gosto do desconhecido ao invés do conforto do conhecido – a repristinação do "espírito de quinhentos" na memória coletiva lusa –, a inovação de procedimentos e a capacidade de atuação estratégica. Nesta cultura prospectiva o espírito empreendedor sobreleva a mentalidade de assalariado, onde as formas de trabalho flexíveis e precárias pressupõem um modelo de educação menos tutelado e mais autónomo, menos homogéneo e mais diverso e plural.
Em segundo lugar, uma Sociedade Ativa como nova utopia do século XXI onde todos tenham direito a uma atividade e à participação nas tarefas de desenvolvimento da comunidade. Num universo sem exclusão, o Homo Faber coabita com o Homo Ludens através de uma harmoniosa integração entre os três tempos de Becker que formam o todo de uma vida: tempo de investimento (formação), tempo de produção e tempo de lazer.
Por último, uma Sociedade Educativa, a caminho de uma ordem mundial dominada pelo paradigma humano ou da capitalização cultural, ao invés da omnisciência económica. Nesta ordem, todos os atos da comunidade humana e as suas organizações são perpassados de inteligibilidade educativa. A economia está interditada de funcionar contra a sociedade, o mercado está impedido de ferir a dignidade humana, a atividade produtiva deixa de dividir as pessoas entre ricas e pobres. A escola funciona como fulcro da formação de redes comunitárias abrangentes (uma espécie de Internet social) e de pontos de apoio a partenariados e estratégias alargadas de desenvolvimento humano – por alternâncias e transições múltiplas com entradas e saídas flexíveis entre tempos de investimento e de produção –, o professor é essencialmente um agente cultural de mudança e facilitador/integrador de aprendizagens assistidas e independentes e o sistema educativo concilia a educação básica de qualidade para todos, a equidade e a igualdade de oportunidades, a justiça social, e o processo indispensável de formação e renovação de elites culturais pela multiplicação dos centros de excelência nos mais variados sectores de pensamento de fronteira.
Nesta verdadeira Sociedade de Sociedades, o processo educativo é restituído à sua dimensão comunitária. A autonomia dos centros educativos e o pluralismo pedagógico são definitivamente resgatados do autoritarismo burocrático de Estado, cedendo a um modelo horizontal de organização das políticas sociais. Este modelo, participativo, autonómico e emancipativo, opõe-se às conceções hegemónicas de Estado – assente na oferta vertical e não integrada de serviços – assim como à conceção redutora de mercado – inspirada na desregulação não integrativa e na consequente segmentação de grupos sociais.
A horizontalização das políticas sociais brota da correta definição de um Estado de Direito, da efetivação do princípio da subsidiariedade, da estimulação de comunidades fortes, do respeito pela sua legítima soberania – dentro de um corpus partilhado de coesão social – e da devolução efetiva de competências e de meios para a sua autodeterminação.


9. A ADAPTABILIDADE COMO ACTIVO HUMANO FUNDAMENTAL
Em conclusão, uma sociedade prefigurada prefere as políticas de desenvolvimento humano às medidas de emprego, numa visão de educação e de atividade (trabalho) como bens públicos e não meros bens privativos.
Nesta alteração de paradigma a adaptabilidade e a flexibilidade passam a ser mais relevantes do que o conceito unilinear de empregabilidade que dominou a filosofia educativa do último quartel do século XX.
A adaptabilidade mais não é do que a resultante da combinação sinérgica dos três grandes componentes que emergem como os pontos de aplicação privilegiada de uma estratégia prospetiva de investimento humano: educabilidade, criatividade e eticidade.
Neste pressuposto, o desenho da política educativa não surge como impulso iluminado do topo da hierarquia político-burocrática. Antes, é o reflexo de um consenso alargado e dinâmico que brota da negociação social necessária em contexto democrático. Tornam-se inviáveis os modelos de governação autoritários, desinteressados da partilha da vontade nacional e de comunidades atuantes. A construção de políticas públicas consistentes, percetíveis e viáveis permite dotar as Sociedades de estabilidade real de estratégias educativas – no longo prazo –  subtraindo-as à erosão do circunstancialismo eleitoral ou da arbitrariedade conjuntural. A estabilidade das políticas públicas surge, mais relevante do que era a mera estabilidade/continuidade formal de maioria política, a qual nem sempre se revela consentânea com a garantia daquele requisito fundamental.


Quadro XI

Os valores e as aprendizagens matriciais

OS VALORES

AS APRENDIZAGENS
Solidariedade
Tolerância
 Coesão


Aprender a Viver Juntos
Partilha/Comunicação Gratuitidade Descoberta/Participação


Aprender a Aprender Juntos
Liberdade
Iniciativa
 Excelência

Aprender a Crescer Juntos


Quadro XII

Escola                                     Educação

Empregabilidade                   Adaptabilidade
     
Sistema Económico              Sociedade Ativa


AS TRÊS DIMENSÕES DA ADAPTABILIDADE:
EDUCABILIDADE + CRIATIVIDADE + ETICIDADE







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