domingo, 29 de abril de 2012


MODELOS E TENDÊNCIAS EVOLUTIVAS NOS SISTEMAS EDUCATIVOS EUROPEUS
                      
                                                                                                                                                                                                                                                                               
    A evolução dos sistemas educativos, nos últimos anos, realizou-se num contexto de processo acelerado de integração económica supranacional. Os estados nacionais entenderam que o momento requeria mudança e adaptação, a economia assim o exigia.
Para integrar o grupo da frente era necessário fazer adaptações. Formatar os estados nacionais de acordo com uma matriz comum. Esta “mundialização” traduziu-se por num conjunto de mudanças no plano económico que se concretizaram na liberalização dos movimentos de capitais, independentemente das fronteiras nacionais.
 Este tornou-se um fenómeno de âmbito mundial, do qual a construção da União Europeia faz parte. Estamos a assistir a “transnacionalização” do capital.
Estas alterações trouxeram, inevitavelmente, implicações ao funcionamento dos estados que são consentidas e conduzidas pelas autoridades políticas dos mesmos, no entanto reduzem a ação dos estados a um estatuto marginal. A sua ação passou a consistir em assegurar a melhor integração da sua sociedade no quadro mundial, contribuindo para a emergência de uma “sociedade mundo” à qual corresponde um mercado mundial único (Mercure, 2001).
Apoderou-se dos estados nacionais um temor compreensível, interpretaram esta nova realidade como uma oportunidade única para alcançar o desenvolvimento.
Do ponto de vista político, a racionalidade económica supranacional sobrepôs-se à racionalidade política nacional, o que, como assinala Habermas (1998, p.74), cria uma situação de “evicção da política pelo mercado consubstanciada num défice de legitimidade das instâncias políticas nacionais”. Estas confrontam-se com o duplo constrangimento de terem de responder perante duas instâncias distintas, o seu eleitorado e o mercado internacional de capitais procurando agir no sentido de extrair do processo democrático políticas conformes às exigências dos mercados (Crough & Streeck, 1996).
Estas mudanças trouxeram implicações importantes para a educação, esta nova ordem alterou e tornou obsoletos os sistemas educativos concebidos num quadro de âmbito nacional. Os sistemas económicos baseados no capitalismo e apostados nos serviços exigiam mais qualificação para gerar mais produtividade, num mundo global. Tornou-se necessário proceder à massificação do ensino para produzir uma mão-de-obra mais qualificada e mais polivalente. Foi exigido à escola que desempenhasse papéis sociais para os quais não estava preparada e não tinha meios. Era necessário formatar pessoas para satisfazer esta nova realidade. A finalidade de construir uma coesão transnacional deu lugar a uma subordinação funcional às políticas educativas e aos imperativos de carácter económico inerentes a um mercado global e único. Procedeu-se à “convergência, na regulação dos sistemas educativos dos diferentes países, que resulta da emergência de um processo de “regulação transnacional” (Barroso, 2005).
Para que este processo de regulação transnacional funcione os organismos supranacionais, nomeadamente o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional, a OCDE, a Unesco, a Comissão Europeia e o Conselho da Europa, continuam a desempenhar um papel fundamental, através de programas de cooperação técnica, de apoio à investigação e ao desenvolvimento. Sugerem/impõem, de modo uniformizado, diagnósticos, técnicas e soluções.
A regulação transnacional das políticas educativas opera-se por “contaminação”, e “externalização” entre países e as medidas tomadas ao nível nacional são legitimadas pelos exemplos do exterior (Barroso, 2005).
A emergência de um processo de regulação transnacional dos sistemas educativos, implica o recuo político do Estado-Nação, que pela sua existência geram conflitos e se instituem como um obstáculo à afirmação plena de uma “educação sem fronteiras”, concretizada num “comércio mundial de serviços educativos”, como sustenta Martin Lawn (2005).
No plano nacional, a mercantilização da educação exprime-se, através da adoção, por parte dos sistemas públicos, de modalidades de gestão próximas dos critérios empresariais (“new public management”), traduzidos na concorrência entre estabelecimentos de ensino, acompanhada por modalidades de segregação escolar, por via das escolhas parentais e de mecanismos de seleção dos alunos, ou pela atribuição a entidades privadas da prestação de serviços educativos até agora internos aos serviços públicos. Surge uma nova forma de exclusão social, camuflada pela equidade na educação.
A influência dos organismos supranacionais na definição e uniformização de políticas exerce-se, através de mecanismos de financiamento, segundo uma lógica de “programas” de “livre” e “voluntária” adesão que concorrem, segundo António Nóvoa (2005), para a consolidação de um “mercado mundial da educação”.
A dificuldade em compreender os novos modos de regulação que estão a ser postos em prática tem a ver com o “gouvernance”. Este novo conceito apela a modalidades de regulação, num contexto em que se verifica “uma interpenetração de fronteiras entre o técnico e o político, entre o público e o privado, entre o nacional e o internacional” (Defarges, 2003). É esta situação que torna urgente encontrar novas legitimidades que permitam repensar o “viver em conjunto” no mundo (Revel, 2006).
As missões de reprodução de uma cultura e de uma força de trabalho nacionais deixam de fazer sentido numa perspectiva globalizada. No entanto não devemos esquecer que a identidade de cada Estado é a sua maior riqueza, temos que melhorar o que temos, sem o descaracterizar com a aplicação avulsa de medidas do exterior. Ao compararmos o sistema educativo finlandês com os restantes sistemas educativos podemos cair na tentação de esquecer os contextos em que cada um se operacionaliza. O sistema finlandês é, por certo, ótimo mas funciona porque foi criado para aquela realidade específica, para aquelas pessoas, em concreto.
Os povos do Sul da Europa vivem uma realidade diferente, num contexto específico, pelo que necessitam de um sistema educativo adequado às suas especificidades, não de implementar medidas descontextualizadas. Urge repensar a educação no plano da equidade. Igualdade de oportunidades significa respeito pela diferença.
Temos que ultrapassar esta obsessão pelo nivelamento avulso entre Estados, baseada apenas em indicadores económicos, num processo acelerado de integração económica supranacional. A comparação entre Estados baseada neste fatores torna-se redutora e fragiliza a coesão transnacional que se pretende. A inter-relação entre Estados quebra o isolamento e permite troca de experiencias muito enriquecedoras, temos que valorizá-las para que esta nova realidade, prescrita e decretada do exterior, por entidades que pouco dizem ao cidadão comum, não gere desconforto e incompreensão para não perdermos de vista a linha do horizonte.
                           
            
«Antes de mais, o homem começou por formar uma consciência cívica e fraterna, fundada em amor e fez depois as reformas consoantes. Mas parece que se resolveu matar primeiro o homem e a sua harmonia espontânea …» Miguel Torga

CAPÍTULO 2
MODELOS DE ORGANIZAÇÃO DOS SISTEMAS EDUCATIVOS

Origens sociais dos sistemas educativos
Os sistemas educativos, na forma como os conhecemos hoje, surgiram no século XIX, como resultado direto da luta política entre distintos grupos sociais pelo controlo social (Archer, 1984).
Com a Revolução Francesa a burguesia triunfante, aliada aos intelectuais e às massas trabalhadoras, assumiu o poder político e proclamou novos valores sociais: Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Mas não possuía poder económico!
Essa fragilidade económica e financeira da burguesia triunfante, só podia ser compensada pela fixação de altos impostos, o que seria mal interpretado pelas massas trabalhadoras que a ajudaram a derrubar a monarquia e assumir o controlo político da sociedade. A solução encontrada foi mudar a forma de governo, tornando-o mais forte. O apoio popular foi substituído pela coerção militar como garantia da estabilidade política. Com um governo imperial forte, chegou a educação estatal, fortemente centralizada nas leis imperiais.
Em Inglaterra onde o capitalismo nascente florescia, imperava a teoria segundo a qual uma aliança com os trabalhadores podia desestabilizar seriamente a sociedade (Jones, 1977), a aliança entre a classe média, os comerciantes, os industriais e grupos dissidentes do Clero permitiu desenvolver uma rede de escolas alternativa ao sistema educacional estabelecido e mantido pela Igreja Anglicana e ligada à Aristocracia e à elite política governamental. Nestas circunstâncias, o conflito na Inglaterra não resultou na transferência do poder para os grupos que se opunham à Igreja. O poder estabelecido foi desafiado e ameaçado, mas não foi eliminado.
Se no caso francês, a luta política pelo poder foi ganha pela burguesia e conduziu ao surgimento de um sistema educativo centralizado, no caso inglês, a aliança entre a classe média, os comerciantes, os industriais e os dissidentes do clero não foi suficiente para derrubar a aliança entre o clero, a aristocracia e a classe política governamental. Como consequência, emergiu um sistema educativo descentralizado.
Teorias que explicam o surgimento dos sistemas educativos, entre elas, a teoria funcionalista, a teoria do controlo social e a teoria da competição.
A teoria funcionalista considera que à medida que a sociedade foi-se tornando mais complexa e a divisão do trabalho se intensificou surgiu a necessidade de dar resposta a dois problemas: i) encontrar uma nova base de interação social (os indivíduos haviam sido deslocados das suas formas tradicionais de identidade e de solidariedade social); e ii) encontrar uma nova forma de preparação dos indivíduos (a especialização das ocupações e a complexidade da sociedade impossibilitaram a família de continuar a desempenhar o seu papel tradicional de socialização e colocou a necessidade de uma formação mais especializada das crianças para assumirem responsabilidades futuras).
A teoria do controlo social considera que a emergência de uma classe de proletários livres do controlo do patronato e a sua tendência para a instabilidade, a desordem e o conflito, levou a que a elite dominante encontrasse na escola uma forma de controlo desta classe de “gente sem regras”. A escola compensaria, então, a desintegração da família, através da implantação da lealdade, da obediência e da bondade e passaria a fazer parte do processo através do qual “a sociedade começava a regular a vida social dos indivíduos a partir das classes mais baixas” (Sandin, 1986, p. 255).
A teoria da competição entre grupos sociais considera a escola como uma instituição que confere estatuto e não como um meio de socialização. A educação é um recurso de valor. Dá-se mais valor a quem mais estudou e menos a uma pessoa menos educada. Com o surgimento das estruturas complexas de ocupação o emprego passou a depender muito das credenciais educacionais. (Collins, 1971, 1977). A fonte das credenciais é a escola e o que interessa não é tanto quão competente é a pessoa, mas que credenciais ela apresenta para sustentar a sua competência. A educação é, um meio para atingir estatuto social e a motivação por detrás da escolarização é a competição entre grupos de vários estatutos para aumentar o nível de escolaridade dos seus filhos. O resultado é a expansão da educação.
A teoria que considera a educação como um meio de modernização é uma versão atualizada da teoria funcionalista. Considera que a educação de massas surgiu, porque as formas modernas de organização social exigem qualidades e habilidades diferentes daquelas que a família pode transmitir. A escola foi estabelecida para modernizar as pessoas (Anderson, 1966; Inkeles & Smith, 1974). Outra variante desta teoria considera que a educação é um instrumento de transformação da sociedade, para perseguir objetivos coletivos que afetam todos os seus segmentos. Aqui a educação é vista como um empreendimento societal, que envolve os indivíduos num projeto coletivo de sociedade. A educação é o processo que caracteriza a política nacional como um todo, não apenas partes componentes da política.
Para Boli (1989), estas teorias são insuficientes na sua tentativa de explicar o surgimento dos sistemas educativos pois, em todos os casos, a escola é vista como um meio racional para alcançar objetivos racionais, sejam eles societais (na teoria funcionalista) ou de um grupo dominante (na teoria do controlo social). Estas teorias não são consistentes com a forma como a escola realmente funciona. A escola é uma organização frouxamente articulada (Weick, 1979) onde os objetivos, sejam eles quais forem, estão apenas parcialmente refletidos no que acontece no dia-a-dia da escola.
Portanto, do ponto de vista prático, é difícil utilizar a escola para alcançar objetivos tão explícitos.
Para Boli (1989), a educação de massas é um desenvolvimento essencialmente ideológico. O estabelecimento de uma nova conceção da natureza e do significado da sociedade produziu uma crença generalizada na necessidade da educação de massas e esta crença conduziu rapidamente à construção de uma educação de massas virtualmente universal. A educação de massas resultou de mudanças institucionais de longo termo que se completaram largamente no século XIX.
Independentemente da forma como explicam o surgimento dos sistemas educativos, todas as teorias situam o seu aparecimento no século XIX e relacionam a sua emergência com o surgimento e florescimento do capitalismo.
Portugal herda a tradição napoleónica francesa de sistema educativo centralizado.

Modelos de organização dos Sistemas Educativos
A centralização e a descentralização relacionam-nos com a forma como o poder está distribuído na organização (Mintzberg, 1995; Donnelly, 2000), ao poder sobre as decisões tomadas ou ainda à localização da autoridade para tomar decisões (Mintzberg, 1995; Bilhim, 1996; Donnelly, 2000).
Mintzberg (1995) considera que uma organização é centralizada “quando todos os poderes de decisão se situam num único ponto da organização – em última instância nas mãos de um único indivíduo” (Mintzberg, 1995, p. 209).
B. Hage (1980) define a centralização como “o nível e a variedade da participação dos grupos nas decisões estratégicas em relação ao número de grupos na organização” (Hage, 1980, p.66). Quanto maior for o número de pessoas que participam no processo de tomada de decisões estratégicas da organização, menor será a centralização e maior a descentralização.
Van de Ven e Ferry (1980), a centralização é o “locus de decisão que determina a autoridade dentro de uma organização. Quando a maioria das decisões é tomada hierarquicamente, uma unidade organizacional é considerada centralizada” (Van de Ven & Ferry, 1980, p. 399).

Sistemas Educativos Centralizados
Estamos perante um sistema educativo centralizado quando o poder para tomar as decisões mais importantes em matéria de educação está nas mãos dos serviços centrais do Ministério da Educação, cabendo aos restantes níveis da hierarquia a sua aplicação em conformidade com as orientações de funcionamento definidas por esses serviços. A ideia é assegurar uma certa uniformidade de funcionamento do sistema. No topo concebe-se, na base executa-se.

Tipos de centralização
Formosinho (1086) considera que a administração centralizada pode ser concentrada ou desconcentrada: i) ela é concentrada quando o superior hierárquico dos serviços centrais é o único competente para tomar decisões, limitando-se os atores dos escalões inferiores a informar e a executar. No caso concreto do currículo, as estruturas de coordenação intermédias dos Ministérios da Educação limitam-se a informar as escolas que, por sua vez, limitam-se a implementar o currículo e outras circulares do Ministério da Educação sobre diferentes matérias; e ii) desconcentrada, quando há graus intermédios e inferiores, chefes com competências para decidir imediatamente, embora sujeitos à direção e inspeção dos superiores, que podem modificar as decisões por eles tomadas.

A desconcentração
A desconcentração consiste em estender o poder central sem o transferir para outras instâncias, criando estruturas intermédias que aplicam as orientações.
Segundo Formosinho (1986), a desconcentração pode tomar várias formas: i) originária, quando é a lei que atribui competências aos chefes subalternos para tomarem decisões; ii) por delegação de competências, quando é o superior hierárquico quem delega certas competências no inferior, delegação essa que pode cessar a todo tempo; iii) fragmentada, se, em cada nível intermédio (Província ou Região), os diferentes departamentos centrais tiverem uma delegação que comunica diretamente com eles; e iv) coordenada, quando existe, a nível local, um serviço que coordena e dirige as diferentes delegações. Em Portugal há uma desconcentração fragmentada.
Em todos os casos de desconcentração, a responsabilidade final incumbe aos serviços centrais dos Ministérios da Educação. Afinal o sistema ainda é centralizado!

 Razão para a desconcentração
Existem razões que podem dar lugar a desconcentração em geral e da educação em especial, nomeadamente:
- A adequação da organização: a execução das normas centrais por quem está mais próximo dos problemas é mais rápida; o ritmo e o tipo de implementação das normas centrais podem ser adaptados ao contexto local; as decisões de implementação são tomadas por quem conhece os problemas por estar mais próximo deles.
- A incapacidade dos serviços centrais de preverem com exatidão certos problemas que surgirão ao nível local: quando os problemas são previsíveis, os serviços centrais podem pré decidi-los de modo a que os chefes locais sejam meros executantes. Mas quando eles se tornam complexos e imprevisíveis, vale a pena desconcentrar, porque os serviços centrais são incapazes de prever em pormenor, os problemas que vão surgir, condição prévia para poderem pré decidi-los em normas burocráticas rígidas.
- A impossibilidade de os serviços centrais assegurarem o volume de trabalho de todos os serviços locais.
 -O reforço do poder central: uma rede desconcentrada multiplica a presença do poder central em todos os locais mantendo-se a cadeia hierárquica de comando e propiciando-se o controlo indireto.
Seja qual for a razão, a desconcentração é sempre um processo mitigado de centralização, que visa aumentar a eficiência da atividade da administração pública, dentro do modelo burocrático.
A centralização tem as suas vantagens e inconvenientes. Parecem constituírem vantagens da centralização o facto de: i) as decisões serem tomadas por administradores que possuem uma visão global da organização; ii) as decisões serem mais congruentes com os objetivos organizacionais globais; iii) eliminar os esforços duplicados e reduzir os custos operacionais de uma eventual descentralização; e iv) algumas funções promoverem uma maior especialização e aumentarem a habilidade dos funcionários.
Os inconvenientes que lhe são apontados referem que: i) os decisores estão distanciados dos factos sobre os quais decidem; ii) os decisores não têm contacto com as pessoas e os contextos em que os factos ocorrem; iii) os responsáveis das linhas hierárquicas inferiores estão distanciados dos objetivos globais da organização; iv) as linhas de comunicação mais distanciadas provocam demoras e aumentam os custos operacionais; v) o envolvimento de muitas pessoas aumenta a possibilidade de distorções e de erros pessoais no processo.
A centralização é um forte mecanismo de coordenação das decisões dentro das organizações (Mintzberg, 1995). Ela permite a quem toma a decisão manter uma visão de conjunto do todo organizacional. Porém, nem todas as decisões podem ser tomadas num único centro de decisão, dentro de uma só cabeça, nem é sempre possível levar toda a informação necessária a esse centro, como nos mostram os seus inconvenientes. A informação pode ser muito fluída e ser muito difícil de ser apreendida e transmitida.
Mesmo que fosse possível transmitir toda a informação o seu processamento esbarraria com a natural falta de capacidade cognitiva que impediria a sua compreensão.
Este comportamento conduz à saturação informativa: quanto mais informação o cérebro tenta receber, menos informação recebe na realidade (Driver & Strenfert, 1969).
Isto sugere a ideia de que quem tem o poder para tomar decisões não tem, forçosamente, a informação e a capacidade necessárias para tal. Pelo que, parece sensato considerar uma forma descentralizada de organização do sistema educativo, que atribui poder a quem tem o saber.

Sistemas Educativos Descentralizados
A descentralização é substancialmente diferente da desconcentração. Esta conduz a uma delegação de poderes a pessoas hierarquicamente dependentes, o que, em última instância, implica o «dever de obediência a ordens, a subordinação ao poder disciplinar, a possibilidade de revogação, modificação ou reforma do ato do inferior pelo superior, a possibilidade de um genuíno recurso contra os atos do subalterno» (Gournay, 1978,p.157).
A descentralização é uma «devolução de poderes». O Estado deixa de exercer um poder hierárquico para passar a exercer um poder de tutela. O seu objetivo é transferir o poder de decisão dos indivíduos que estão num lugar ou num determinado nível para outros que operam noutro(s) nível(eis) (McGuin & Welsh, 1999).
Segundo Gournay (1978), a descentralização transfere o exercício de certas competências tradicionalmente assumidas pela administração central «a agentes que dependem não do governo, mas de órgãos que tiram a sua autoridade do facto de representarem uma parte da população» (Gournay, 1978, p. 157). (Chiavenato, 1993) considera que essa transferência depende de vários fatores, dentre os quais, i) o tamanho da organização; ii) o ramo de atividade da organização; iii) as tendências económicas e políticas do país; iv) a filosofia da administração central e as personalidades nela envolvidas; v) as competências dos subordinados e a confiança dos superiores nessas competências; e vi) a facilidade de informações que permitem tomar decisões. Por isso, a descentralização, em si mesma, não é boa nem é má. É a conjugação desses fatores que determinará o grau de centralização ou de descentralização mais adequado para uma organização.
A descentralização deveria representar a última fase do processo de desenvolvimento de uma organização em que os seus membros são, efetivamente, chamados a participar no processo de tomada das decisões cuja execução produz resultados que afetam substancialmente as suas vidas.

Razões para a descentralização
Para Formosinho (1986), existem duas ordens de razões para descentralizar o sistema educativo: razões de ordem política e razões de ordem técnica.
Do ponto de vista político, a descentralização é o culminar de um processo de democratização em que a opinião pública manifesta cada vez mais a sua vontade de ser consultada associada à elaboração das decisões que a afetam diretamente.
Segundo Oliveira (1980), “A descentralização é concebida como um instrumento destinado a fazer vingar e atuar a própria democracia, entendida no sentido do direito à participação dos interessados na função administrativa” (Oliveira, 1980, p. 183). É que numa democracia centralizada há uma visão redutora da participação dos cidadãos no sentido em que as pessoas são chamadas apenas para votar de tantos em tantos anos, para determinar que aparelho partidário, cuja formação não controlam, deve ocupar o aparelho do Estado e implementar políticas em cuja elaboração não participam. Nesse sentido, a descentralização dá um sentido mais substancial à participação dos cidadãos na democracia. Contribui para uma definição clara e precisa das responsabilidades.
Do ponto de vista técnico, a descentralização refere-se à necessidade de aumentar a eficácia dos métodos de direção e gestão perante o peso e a lentidão da burocracia do Estado, à sua incapacidade em gerir. A descentralização permite uma identificação mais rápida e facilita a procura das soluções mais adequadas às necessidades locais, por serem tomadas por pessoas que melhor as conhecem e estarem sintonizadas com a vontade das populações. Mas também, por não terem que atravessar os canais burocráticos do Estado, pela aproximação dos órgãos decisores do local onde os problemas surgem e pelo carácter definitivamente executório das decisões – não são sujeitas à ratificação dos órgãos superiores, desde que estejam em conformidade com a lei. Isto não acontece com a desconcentração, em que as decisões tomadas podem ser modificadas pelos órgãos superiores da hierarquia.
As razões evocadas para descentralizar a organização dos sistemas educativos superam alguns dos inconvenientes dos sistemas educativos centralizados e sugere que um processo de descentralização deve ser criterioso.

 Critérios de descentralização
Ginn e Welsh (1999) apresentam três critérios de descentralização dos sistemas educativos:
- a legitimidade democrática (critério de ordem política),
- o profissionalismo (critério de ordem técnica);
- a eficácia do mercado (critério de ordem económica).
De acordo com o critério da legitimidade democrática, parece legítimo que a gestão da educação seja confiada aos representantes políticos democraticamente eleitos em função das expectativas dos diferentes grupos sociais. Sendo o processo de eleição geralmente conflituoso, as pessoas eleitas não precisam de ser, necessariamente, «experts» nem em educação nem em gestão.
O poder é inerente à função e não às competências próprias de quem ocupa o lugar. Por isso, as medidas tomadas por quem exerce esse poder são corretas porque são tomadas pelos responsáveis e não porque estão em conformidade com os conhecimentos científicos sobre a matéria. O que sugere, porventura, que as pessoas que ganham as eleições devem poder conciliar a legitimidade democrática com a competência técnica.
Segundo o critério do profissionalismo, o poder para tomar decisões é confiado aos técnicos habilitados (poder de competência) a quem se pede o que é preciso fazer para melhor gerir o sistema educativo. As suas competências estão ligadas ao que é preciso fazer e à maneira de o fazer do que à definição do objetivo a atingir. O seu poder (de competência) é sempre colocado, em última instância, sob controlo político, sobretudo nas democracias. Existem, no entanto, casos em que, uma vez nomeados, gozam de uma autonomia considerável.
Os defensores deste critério partem do princípio de que a educação é «apolítica» e que deve ser confiada às mãos de especialistas, às pessoas que tenham adquirido uma formação e possuam competências e conhecimentos específicos. Neste sentido, as decisões devem fundamentar-se sobre a pesquisa e a análise das políticas públicas sendo o essencial da gestão, a adoção de medidas e regulamentos definidos através da aplicação dos conhecimentos dos especialistas.
Mas a educação não é nem neutral nem apolítica. Ela é sempre um ato altamente intencional e subjetivamente carregado. Utiliza recursos, meios e métodos para alcançar um fim. A sua intencionalidade e a sua subjetividade retiram-lhe qualquer carácter neutral e apolítico.
O que este critério parece sugerir é a necessidade de um processo de aprendizagem de um conjunto de procedimentos e práticas que habilitem os membros das organizações descentralizadas a tomarem as decisões mais apropriadas e adequadas ao contexto e realidade em que evoluem.
O critério da eficácia do mercado distingue a gestão da produção da educação e a gestão do consumo da educação. A maior parte dos países atribuem ao Estado o monopólio exclusivo da produção da educação e exigem que todas as crianças sejam educadas em escolas supervisionadas ou aprovadas pelo Estado. No entanto, numa economia de mercado, os indivíduos têm toda a liberdade para decidirem sobre o tipo de educação e escolherem a escola para os seus filhos.
Os adeptos da ideologia de mercado afirmam que nada confere aos profissionais a capacidade de satisfazer os desejos e as necessidades daqueles que a educação é chamada a servir. Não há nada na formação dos educadores, nem na dos economistas que lhes permita compreender o que o público quer e deseja. Portanto, o mercado é o melhor meio para explorar a informação sobre o que a clientela quer e o que a satisfaz. Têm, para nós, maior relevância as causas, o aumento qualitativo e quantitativo dos sistemas educativos – a sua complexidade – que põe à prova a capacidade das burocracias centralizadas em manter a qualidade do ensino ministrado; o aprofundamento da democracia consubstanciada na reivindicação de uma maior participação dos beneficiários do sistema educativo na definição, implementação e controlo das políticas educativas; o surgimento das novas tecnologias de informação e comunicação como elemento importante na construção de sociedades de conhecimento e informadas constituem.

 Vantagens da descentralização
São apontadas várias vantagens à descentralização:
- Proporciona um aumento qualitativo da eficiência organizacional, porque permite que as decisões sejam tomadas pelas unidades situadas nos níveis da hierarquia mais próximos dos beneficiários, com carácter definitivamente executório (ao contrário da desconcentração, como vimos mais acima).
- Evita que os funcionários fujam à responsabilidade recorrendo ao chefe, porque contribui para uma definição clara e precisa das responsabilidades.
- Permite evitar a saturação informativa, ou seja, a falta de capacidade de tratamento de um grande volume de informações quando elas são transmitidas a um único indivíduo.
- Permite melhorar a qualidade das decisões à medida que o seu volume e complexidade se reduzem permitindo que os altos funcionários se concentrem nas decisões de maior importância.
Ela permite uma redução considerável de papéis nos serviços centrais e os gastos daí resultantes.
- Facilita o aumento da velocidade na resposta organizacional às mudanças do meio envolvente e às exigências dos mercados.
- Permite que sejam acrescentados mais detalhes à informação que entra no processo de decisão. Quanto mais a decisão for tomada por quem esteja familiarizado com o problema, mais provavelmente serão tomados em conta elementos informativos que se teriam perdido na cadeia de comando.
- Contribui para a formação de funcionários mais motivados e mais conscientes dos seus resultados operacionais, permitindo que eles participem do processo da tomada de decisão.
- Constitui uma boa base de aprendizagem organizacional pois, pela delegação, a gestão de topo permite que os gestores mais baixos na cadeia hierárquica aprendam a decidir na prática. Ao decidirem sobre assuntos de pouco impacto organizacional, preparam-se para assumir responsabilidades mais elevadas à medida que sobem na cadeia de comando.

O surgimento do sistema educativo centralizado em Portugal.
Os republicanos insurgiram-se contra a Monarquia e formou-se uma aliança estratégica entre os republicanos, os intelectuais e grupos dissidentes da Monarquia que desafiou o poder da
Monarquia e do Clero, depôs o rei, tomou o poder político e atacou-se a presença das Ordens Religiosas no ensino, a doutrinação católica nas escolas do Estado e as praxes e os privilégios da Universidade de Coimbra e proclamou a República.
Com a proclamação da República, o sistema educativo passou a ser único, obrigatório, administrado diretamente pelo governo central, com currículos únicos e compulsivos.
Barreto (1995) considera que a tendência centralizadora do sistema educativo visava o alcance de três objetivos centrais: i) Integrar, no sentido de criar vínculos e laços, horizontais e verticais, entre todas as unidades e estabelecimentos educativos, na tentativa de criar um sistema coerente adaptado a uma entidade territorial e administrativa de âmbito nacional; ii) centralizar ou estabelecer uma autoridade global, governamental ou estatal, que regule e presida às atividades de todas as unidades integradas no sistema; e iii) unificar, o mesmo que homogeneizar métodos e regras, programas e objetivos com vista a propiciar uma aprendizagem de saberes iguais em toda uma entidade territorial e administrativa, no Estado-nação, a fim de suscitar comportamentos semelhantes com o propósito de evitar ou reduzir atuações singulares ou diferentes.
O Sistema Educativo português é laico e engloba uma série de mecanismos que garantem aos cidadãos o direito à educação e à igualdade de oportunidades em matéria de acesso aos centros educativos e de sucesso escolar. Excetuando a gestão conjunta de alguns centros educativos, cabe ao Ministério da Educação a responsabilidade pela gestão global, integrada e centralizada do Sistema Educativo.
As autoridades centrais asseguram a aplicação da legislação e das normas promulgadas pelo Governo e pelo Parlamento, desenvolvendo também iniciativas normativas adicionais através de circulares e diretrizes.
O Ministério da Educação é o responsável pela definição da política nacional em matéria de educação, com funções de promover o desenvolvimento e a modernização do sistema educativo reforçando a conexão entre a educação e a investigação, a ciência, a tecnologia e a cultura, e preservar e difundir a língua portuguesa para o que, conta com o apoio de serviços centrais e regionais.
Os serviços centrais encarregam-se das tarefas de elaboração, desenvolvimento, coordenação, avaliação e inspeção da educação e da formação, enquanto o ministro é o responsável pela direção política do Ministério e é assistido, no desempenho das suas funções por Secretários de Estado.
Os serviços regionais são constituídos por cinco Direções Regionais de Educação, com carácter desconcentrado que desenvolvem as tarefas do Ministério da Educação a nível regional. Essas direcções regionais ocupam-se da orientação, coordenação e apoio aos centros de ensino não superior, da gestão dos seus recursos humanos, financeiros e materiais e da assistência tanto aos centros como aos alunos que os frequentam.
Segundo a Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei nº46/86), o sistema educativo compreende a educação pré-escolar, a educação escolar e a educação extraescolar.
A educação escolar compreende os ensinos básico, secundário e superior.
- O ensino básico é universal obrigatório e gratuito, tem duração de nove anos letivos, estrutura-se em três ciclos de ensino sequenciais, devendo ingressar neste ensino todas as crianças residentes no território nacional, que completem os 6 anos de idade até 15 de Setembro (Lei nº 46/86, de 14 de Outubro).
O ensino básico tem entre outros os seguintes objetivos gerais: “Assegurar uma formação geral comum a todos os portugueses que lhes garanta a descoberta e o desenvolvimento dos seus interesses e aptidões, capacidade de raciocínio, memória e espírito crítico, criatividade, sentido moral e sensibilidade estética, promovendo a realização individual em harmonia com os valores da solidariedade social;” “Assegurar que nesta formação sejam equilibradamente interrelacionados o saber e o saber fazer, a teoria e a prática, a cultura escolar e a cultura do quotidiano;” - (Alíneas a) e b), do Artigo 7º da Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro).
O ensino básico divide-se em três ciclos: o 1º ciclo, o 2º ciclo e o 3º ciclo.
- 1º ciclo compreende quatro anos de escolaridade,  proporciona um ensino globalizante da responsabilidade de um único professor, auxiliado por outros professores especializados. Tem como objetivos específicos o enriquecimento da linguagem oral e a iniciação da aprendizagem da leitura, escrita, aritmética, cálculo e a aquisição de noções básicas do meio físico e social, expressões plásticas, dramática, musical e motora.
- O 2º ciclo compreende dois anos de escolaridade, organizados em áreas interdisciplinares de formação básica da responsabilidade de um professor por área, tendo em vista habilitar os alunos a assimilar e interpretar crítica e criativamente a formação humanística, artística, física, desportiva, científica, tecnológica, moral e cívica, que o currículo nacional proporciona neste nível de ensino.
- O 3º ciclo compreende três anos de escolaridade, desenvolve o currículo respectivo no regime de um professor por disciplina ou grupo de disciplinas afins e integra diversas áreas vocacionais no ano terminal do ciclo.
O ensino secundário consolida a diversificação e especialização dos percursos educativos e formativos, oferecendo alternativas de educação e formação, cujo teor dominante pode ser de formação geral, vocacional, artística ou profissional.
O ensino pós-secundário organiza-se através da oferta de Cursos de Especialização Tecnológica (CET), formações pós-secundárias não superiores.
O Ensino Superior representa o nível mais elevado da oferta de ensino formal, tendo como condição de acesso a prévia titularidade de um diploma do ensino secundário ou do pós-secundário e inclui duas vertentes:
- O ensino universitário;
- O ensino politécnico.

Em síntese

Com o objetivo de assegurar que a missão conferida à educação será cumprida, o Estado estende a sua ação sobre todo o território e torna-se nacional, centralista, chamando a si a responsabilidade da totalidade dos encargos com todas as tarefas, incluindo as da educação.
A administração centralizada do sistema educativo multiplica-se, ou seja, desconcentra-se garantindo a sua presença no território, através da criação de estruturas e órgãos com a missão de executar as políticas e as orientações centralmente definidas, a fim de alcançar as metas traçadas.
Em Portugal, as autoridades centrais asseguram a aplicação da legislação e das normas promulgadas pelo Governo e pelo Parlamento. O Ministério da Educação é o responsável pela definição da política nacional em matéria de educação. Os serviços centrais encarregam-se das tarefas de elaboração, desenvolvimento, coordenação, avaliação e inspeção da educação e da formação, enquanto os seus serviços regionais, com carácter descentralizado, desenvolvem as tarefas do Ministério da Educação a nível regional. Aqui também, no centro concebe-se e na base executa-se o que foi concebido. Isto levanta, desde logo, a questão do poder, ou seja, o poder de conceber as políticas, elaborar os regulamentos situa-se no centro e o dever de executar as políticas em conformidade com os regulamentos situa-se na base. A relação entre o centro e as suas estruturas intermédias de coordenação da educação é uma relação de poder.


Bibliografia: Benedito, Narciso Damásio dos Santos, Centralização de Sistemas Educativos e Autonomia dos Atores Organizacionais, Processos Coletivos de Interpretação das Orientações Centrais, Tese de doutoramento em Psicologia, Área de Especialização em Psicologia do Trabalho e das Organizações, Trabalho efetuado sob a orientação do Professor Doutor José Bernardo Bicudo de Azeredo Keating, Universidade do Minho, Instituto de Educação e Psicologia, Novembro de 2007



Ficha de Leitura

A EVOLUÇÃO DA ECONOMIA E DO EMPREGO. NOVOS DESAFIOS PARA OS SISTEMAS EDUCATIVOS NO DEALBAR DO SÉCULO XXI
 Roberto Carneiro

 l. A EDUCAÇÃO COMO IMPERATIVO ECONÓMICO
Durante as últimas décadas os sistemas educativos viveram sob o domínio do paradigma económico, educação valia pela sua função económica. Aos fatores de produção clássicos – capital, terra e trabalho, a inteligência económica juntou o investimento em tecnologia e conhecimento para explicar o fator residual, da teoria do desenvolvimento (anos 60).
A euforia económica do pós-guerra, radicada na crença de um crescimento sem limites, nem fronteiras, propiciou a emergência da modernidade industrial centrada na configuração do Estado-Nação, na razão providencial e nas relações de troca efetuadas num mercado dinâmico, estruturado em torno de dois pólos: um aparelho produtivo e um sistema de consumidores.
 A sociedade adquiriu o estatuto de máquina potente e inexorável, motor supremo da sociedade e chave de interpretação total do seu devir.
Neste contexto de otimismo internacional, o modelo de economia capitalista e o sistema constituído pelo conjunto de "nações industrializadas" reunidas sob a bandeira da OCDE, liderou os principais fatores mundiais de crescimento: capital, ciência e tecnologia, trabalho qualificado, mercados de bens e serviços, conceções de gestão.
O modelo educativo considerado “politicamente correto" foi influenciado pelas teorias do capital humano formuladas a partir dos anos 60 (Schultz, Becker, Denison, Blaug,Harbison, Mincer) e assentes no valor económico da educação como sustentáculo do pleno emprego e da geração de altas taxas de rentabilidade social e privada.
As medidas de stock educativo da população passaram a ser tão relevantes quanto as medidas de ativos tangíveis para avaliar a solidez de um determinado sistema económico. Nesta linha de raciocínio apuraram-se as metodologias de cálculo do retorno do investimento económico em educação, por níveis de escolaridade. Com base nas múltiplas estimativas publicadas, tornou-se praticamente consensual que:
(I) o retorno ao investimento educativo é alto e geralmente superior à rentabilidade média de 10% considerada boa para investimentos económicos;
(II) a taxa de rentabilidade é mais elevada nos escalões básicos de escolaridade, diminuindo monotonicamente à medida que se sobe nos níveis educativos;
(III) a rentabilidade do esforço financeiro na educação é muito maior nos países menos desenvolvidos do que nos países de maior rendimento per capita;
(IV) os progressos na educação produzem "externalidades" importantes, compulsando-se benefícios inequívocos em áreas como a saúde, o índice de participação cívica e a propensão à inovação, os quais transportam valor acrescentado económico. O modelo industrial de educação seguiu, assim, a mesma lógica da produção e do consumo massificados que inspirava o sistema económico de referência.



2. UMA ECONOMIA EM FIM DE CICLO
O futuro deixou de ser uma projeção linear ou balística do passado; as trajetórias prospectivas das economias bem como das sociedades deixaram de ser determinadas pela mera fixação/compreensão das condições iniciais dos sistemas – o tempo autonomizou-se como variável heterogénea e recurso estratégico numa civilização acometida da ideologia da urgência.
Enquanto os países asiáticos e do Pacífico entravam num ciclo expansionista, o continente africano, afundava-se na estagnação ou mesmo na mais confrangedora regressão económica e social, abandonado por uma Europa ensimesmada sobre os seus problemas. Esta vê-se invadida por um europessimismo: a ocidente, a construção da União Europeia atravessa uma profunda crise económica, a mais forte dos últimos 40 anos. Em simultâneo vive uma sensação de vazio de valores de referência, pela inércia das suas instituições consuetudinárias e uma gravíssima perda de credibilidade do papel do Estado; a leste, as novas democracias fragilizadas e a vulnerabilidade de um sistema destituído de instrumentos credíveis de regulação política e de sustentação equilibrada da economia de mercado tornam-no palco para a concentração do ódio intercultural e da violência interétnica bem como a proliferação de um capitalismo selvagem e precariamente defendido pela penetração do sub-mundo da criminalidade internacional, da violência organizada e da anomia social.
No continente americano, a norte, acelera-se um processo de integração económica ao abrigo de um NAFTA dominado pelo poderio económico e tecnológico dos EUA cuja liderança internacional depende do alargamento dos mercados contíguos sob sua influência. Em contrapartida, a região latino-americana e das Caraíbas vive vergada sob o peso da pobreza e da desigualdade e sobre os correspondentes esforços de estabilização económico--financeira no traumático pós-ajustamento estrutural.
Neste cenário de crise, os processos produtivos viram-se transformados sob o estímulo das novas tecnologias, de uma diferente hierarquia de valores e do incremento da competição internacional.
A humanidade encontra-se repentinamente sem as certezas das ciências económicas e num ambiente de incertezas e perplexidades: crise de emprego, erosão inflacionista, descontrole dos défices públicos, alastramento das desigualdades, propagação de comportamentos económicos destituídos de conteúdo ético...

3. EUROPA: UMA CRISE ESTRUTURAL
Num mosaico político-económico e cultural tão diferenciado a humanidade sente-se num complexo processo de transição para o qual não se encontrava preparada. O mundo ocidental, particularmente o continente europeu, vê-se mergulhado numa difícil conjuntura onde se mistura a ingovernabilidade institucional e a dificuldade de adaptação criativa a um tempo onde a Europa já não lidera a marcha da história nem lhe cabe o protagonismo determinante no palco das grandes decisões mundiais.
As nações ditas ocidentais ou da matriz cultural europeia sofrem profundas convulsões decorrentes das contradições do modelo de vida que adotou.
Na perspectiva estrita da envolvente económica e do emprego podem seriar-se:
a) A globalização da economia sob a influência dos grandes espaços económicos, dos mercados internacionais, da mobilidade dos fatores e da aproximação criada pelas novas tecnologias da comunicação e da informação.
b) Os limites da economia de mercado como sistema de interpretação total da sociedade e do homem, assim como a sua notória falência na compatibilização entre crescimento e solidariedade.
c) A intensa terciarização do tecido produtivo que passa de uma economia de bens a uma economia de serviços (servucção).
d) A escassez de postos de trabalho como fenómeno persistente e autónomo, indiferente aos ciclos económicos conjunturais de contração ou expansão.
e) A rápida mudança da natureza e do conteúdo das estruturas ocupacionais com predomínio das categorias de forte valor acrescentado exigindo cada vez mais habilitações em detrimento da mão-de-obra indiferenciada.
f) A elevação acentuada das taxas de atividade feminina que vai de par com a queda da fecundidade e da natalidade.
g) A diminuição da poupança – privada e pública – devido ao consumismo, acarretando uma rarefação da capacidade crítica de investimento das economias.
h) O colapso dos valores comportamentais das lideranças, expressos pelos agentes económicos e políticos que se mostram vulneráveis à corrupção, perante a "ambiguidade" tolerante das democracias representativas em choque visível com a crescente intolerância das "democracias de opinião".
i) O contraste entre os valores económicos paradigmáticos sobre que assentam os ordenamentos asiático e ocidental.
No espaço económico e cultural que é a Europa, citaremos três das principais condicionantes económicas que integram a partilha de um sentimento crítico alargado e que acarretam consequências profundas para os sistemas educativos:
a) O paradoxo de uma abundância de trabalho (melhor saúde, esperança de vida alargada, desejo de participação) confrontada com a escassez de emprego. O desemprego e a dimensão que atinge nos países desenvolvidos, sem que se vislumbre solução estrutural para reverter uma situação estrutural de afastamento dos mecanismos produtivos. Na cultura ocidental, o fenómeno vem agravado pela circunstância de o acesso ao emprego remunerado se confundir desde sempre com a socialização efetiva do indivíduo e com a aquisição do estatuto de cidadania plena. Veja-se o insucesso das reuniões e das cimeiras que se revelam impotentes para aprovar medidas consequentes de reanimação do mercado de emprego A conquista de altos índices de competitividade e de crescimento da produtividade fazem-se contra o emprego. O dualismo emergente começa a ser o que distingue famílias "ricas em emprego" e famílias "pobres em emprego", numa lógica cruel onde o desemprego de longa duração é sinónimo de desencorajamento, desânimo e precária sobrevivência.
b) O alastramento da exclusão e das bolsas de marginalidade. Sociedades aparentemente mais ricas tornaram-se menos justas revelando-se incapazes de conter a polarização induzida pelo mercado neoliberal e o acentuado dualismo social. A extrema pobreza, que se acolhe sob o lumpen urbano, ultrapassa o "nexus" económico que é encarado como uma implacável máquina, desmunida de alma e de humanidade.
A coexistência difícil e contraditória de pronunciamentos programáticos – Livro Branco para o crescimento, competitividade e emprego e Livro Verde para a política social europeia – é indiciadora da ausência de uma estratégia integrada de desenvolvimento sustentável que só se poderá fundamentar na prioridade ao fator humano.
 O círculo virtuoso da economia que redunda num círculo vicioso da sociedade cuja ratio intrínseca reendereça ao sistema produtivo a fatura social do desemprego que ele provoca em nome do supremo valor da eficiência.
c) A lentidão na adaptação das instituições europeias aos sectores de ponta da economia e da sociedade. Sindicatos, patronato, organismos oficiais, escolas, centros de regulação, monopólios estatais, sistemas jurídicos e de feitura de legislação, instituições de ciência e de cultura, administrações centrais e locais, vêm revelando uma notória inércia de inovação perante o ritmo a que noutras latitudes e longitudes progridem as telecomunicações, a sociedade da informação e do conhecimento, os universos multimédia, o software de gestão de organizações complexas, a telemática ou os sistemas audiovisuais, apenas, algumas fronteiras mais dinâmicas das economias modernas.
O peso imobilista das instituições e uma mentalidade "entorpecida" são inibidores da relação europeia com o resto do mundo e lançaram sinais alarmantes de fragilidade.

4. O ALASTRAMENTO DA INSATISFAÇÃO EM RELAÇÃO AO MODELO ECONÓMICO
As condicionantes económicas sentidas na Europa têm importantes consequências de "arrastamento" para a perceção do futuro dos nossos sistemas educativos. Embora seja evidente que as novas questões económicas constituam apenas uma parte da pós-modernidade, elas induzem a indispensabilidade de uma completa reanálise dos sistemas tradicionais, salientaremos, cinco pontos focais de insatisfação larvar:
a) A persistente verificação da ocorrência de insucesso na escolaridade básica dos sistemas educativos das sociedades mais desenvolvidas, denunciam as insuficiências de um sistema que não tem resposta para uma multidão de inadaptados escolares que se transformam em populações periféricas de um mercado de trabalho cuja estrutura ocupacional comporta cada vez menos trabalho indiferenciado.
b) O esgotamento de um modelo educativo positivista assente no pressuposto da empregabilidade imediata e garantida. Os estudos permitiam o ingresso seguro num mercado de trabalho em permanente expansão e alimentavam a ilusão de uma certeza económica, onde a pirâmide ocupacional mais ou menos estratificadas estava em direta correlação com cada um dos níveis de saídas do sistema educativo-formativo. Hoje, a relação entre emprego e educação inicial é difusa e estocástica.
c) A perceção dos limites do Estado como principal prestador e gestor de serviços educativos numa época marcada pela explosão da diversidade de raiz comunitária e pela legítima aspiração de diferenciação cultural.
 O Estado monolítico e hegemónico está ser invadido por um permanente desejo uniformizador e padronizador, manifestamente desconforme com a riqueza genuína da textura sociocultural.
 A lógica burocrática levada ao extremo formalismo revela-se não só ineficiente como tendencialmente iníqua, injusta e fomentadora da desigualdade pela sua cumplicidade com a força dos "lobbies" mais poderosos e distorcedores da realidade das necessidades efetivas.
d) A patente inadequação de sistemas educativos fundamentados na soberba identitária e no autismo cultural. A escola foi durante décadas instrumento de seleção social baseada na superioridade de uma cultura dominante em confronto com culturas minoritárias, a qual traduzia os valores classistas de um estrato médio populacional desejoso de impor uma segmentação económica do mercado de trabalho em função dos seus preconceitos de excelência cívica e dos seus egoísmos sociais.
A intensa mobilidade populacional e o influxo vigoroso dos ventos da liberdade criaram  complexas exigências, a uma escola cada vez mais intercultural defrontada com o desafio de construir a coesão na diversidade e de implantar os fundamentos de uma democracia renovada.
 Está aqui implícita a ideia de uma escola que é uma esfera pública de ação comunitária independentemente da sua titularidade ou propriedade que só se pode compreender no total empenhamento de construir culturas que pensam ativamente nas outras culturas e nos outros protagonistas da história da humanidade.
Nesta democracia, a revigorada regra do governo de maioria acolhe a natural expressão das minorias enquanto cada grupo minoritário aprende a conter os impulsos centrifugadores.
e) As insuficiências de um modelo educativo ordenado em torno de objetivos estritamente cognitivos e intelectuais.
As empresas prezam cada vez mais pessoas portadoras de valores suscetíveis de integrarem culturas organizacionais coesas e éticas empresariais sólidas como o funcionamento macro das sociedades e das suas instituições de regulação.
 A qualidade intrínseca da democracia, só uma cidadania esclarecida pode propiciar na maturidade do exercício dos direitos políticos e da fruição das liberdades fundamentais. O desenho curricular moderno é tributário do projeto educativo integral que anima cada centro e requer atitudes de síntese e de inteligibilidade que só um sentido apurado de formação pessoal e social pode estimular.

5. EDUCAÇÃO: DE FACTOR A FINALIDADE DO DESENVOLVIMENTO
Até agora o sistema educativo foi encarado num ângulo instrumental de fator importante de crescimento económico e de vantagem competitiva das nações. Os cálculos de taxas de rentabilidade do investimento educativo permitem os retornos aos financiamentos.
A essa escola neoclássica de pensamento económico veio juntar-se a teoria neo-schumpeteriana do desenvolvimento que enfatiza o valor económico de um processo de inovação que se difunde continuadamente tanto no espaço como no tempo e onde os agregados de novas tecnologias, em constante e dinâmica renovação, contêm vastas possibilidades de incrementos de produtividade e de produção.
Ambas as escolas de reflexão acabam por concluir que o desenvolvimento sustentável e duradouro exige um limiar crítico de investimento continuado no fator humano e mudanças organizacionais ao nível institucional que substituem as tradicionais pirâmides taylorianas por "organizações que aprendem" (learning organizations), isto é, sistemas muito mais "biológicos" que "físicos". Ensaios de regressão econométrica realizados no âmbito do Banco Mundial (Londoño, 1995) pretendem demonstrar que a explosão das economias asiáticas tem por suporte um nível educativo da população ativa manifestamente superior ao "esperado".
A investigação mais rica debruça-se sobre um mundo de imaturidade e de fatores intangíveis e aposta na riqueza do sujeito ativo do desenvolvimento: a pessoa humana. A educação é valor superlativo de humanidade e de civilização.
A economia deixa, de se justificar por si própria ou de constituir-se em centro de gravidade soberano de toda a lógica de funcionamento das sociedades. Ao contrário, a recuperação da centralidade humanista presente em todas as grandes civilizações e culturas universais recoloca o Homem e a sua caminhada ascensional no fulcro da interpretação histórica.

6. CAPITAL HUMANO E CAPITAL SOCIAL OU A FORMAÇÃO DE CULTURAS DE RESISTÊNCIA
Uma leitura dos tempos escorada num humanismo revisitado acarreta como consequência natural a rejeição vigorosa de um sistema económico que toma por irremediável a pauperização continuada de largos segmentos da população como preço da acumulação patrimonial ilimitada por uma minoria restrita de privilegiados.
A observação atenta de sociedades excessivamente desiguais – miséria, violência e insegurança – demonstra que mesmo os ricos dificilmente se podem sentir felizes quando rodeados por um quadro de degenerescência humana ou aprisionados no interior das suas cidadelas residenciais, policiadas e protegidas como se se tratasse de fortalezas inexpugnáveis. A impossibilidade de usufruir da liberdade singela de passear numa cidade ou de saborear o convívio espontâneo com os demais concidadãos representa uma pobreza espiritual insusceptível de compensação na mera acumulação de bens materiais.
A regra económica da ocorrência e da competição num mercado aberto é todavia inapelável. Não é possível clamar pela construção de sociedades solidárias e humanistas que sejam economicamente débeis e perdedoras no difícil confronto da competitividade internacional. Tal seria condenar essas comunidades à miséria material e ao "desarmamento económico" numa ordem internacional estigmatizada pela pulsão produtiva concorrencial. As nações procuram aperfeiçoar o funcionamento dos mercados e estimular a competitividade das suas unidades económicas numa perspectiva de vencer na livre concorrência. Como afirma N. Bobbio numa das suas mais interessantes obras, a única diferença hoje percetível é aquela que separa os que aceitam a desigualdade social como natural e aqueles que consideram imperativo combater por todos os meios a desigualdade como iníqua e redutora da condição humana.
É na maior ou menor sensibilidade social, e nas medidas de compensação de um mercado polarizador e pouco solidário, que reside a distinção entre estilos de governação. Nesta medida acaba por ser na prioridade educativa que se mede a sinceridade das políticas sociais e que se encontra a divisória mais visível que separa as águas entre o neoliberalismo económico puro e as estratégias económicas que preservam um rosto humano e uma preocupação solidária, por outro.
É claro que ao eleger a educação como indicador por excelência das políticas sociais estamos implicitamente a ultrapassar o mero conceito economicista de acumulação de capital humano por muito rica que esta teorização se revele. Esta vulgarizada doutrina radica na dupla premissa económica de que o comportamento individual é ditado exclusivamente por determinantes de racionalidade económico-financeira (o Homo Economicus) e também que o processo de desenvolvimento económico moderno maximiza a procura de qualificações produtivas.
Uma conceção integrada da função educativa combina a acumulação de capital humano com a formação de capital social. A educação passa a ser encarada como a principal determinante da reversão da pobreza estrutural e o único fator que pode ser verdadeiramente responsável por vencer o "círculo de ferro da exclusão" formulado com base na asserção evidente de que, a pobreza socializa inevitavelmente para a continuação da pobreza.
A capacitação pessoal e grupal para dar o salto qualitativo que permite superar a fatalidade intergeracional que "ghettoiza" de pais para filhos e de avós para netos e cria, simultaneamente, o sentido de passividade ou de impotência perante a adversidade acumulada só pode resultar de um processo emancipador de educação ("empowerment"). Sem compromisso na criação de capital social a partir de um sólido implante comunitário, a escola remete-se tecnocraticamente à repartição funcional do conhecimento que melhor convém à mera reprodução das estruturas e categorias sociais dominantes.
Esta passagem conceptual significa o reconhecimento de que a educação é a principal causa do diferencial de riqueza entre nações e a mais poderosa alavanca de inconformismo perante a "fatalidade" da pobreza pessoal. Nestas circunstâncias, o efeito conjugado de capitalização humana e social viabilizaria a emergência de verdadeiras culturas de resistência orientadas para a mobilização das pessoas e das vontades para se oporem à invasão de fundamentalismos redutores que infiltram os interstícios das sociedades abertas e minam os fundamentos da convivialidade livre na multifacetada polis moderna.
Em síntese, a reversão da delicada propagação nas nossas sociedades atuais de muitas ideias e movimentos anestesiantes da liberdade pessoal e, por consequência, simplisticamente totalitárias exige a superação do seu terreno de eleição que são a ignorância, a miséria material, a atitude demissionária e a fragilidade moral.
A educação é o caminho que melhor emancipa o ser humano da mais abjeta manipulação, seja por via dos símbolos, seja pelo apelo continuado aos instintos mais rudimentarmente negativos.

7. NOVAS COMPETÊNCIAS E NOVO PROFISSIONALISMO
O redesenho institucional do figurino educativo para o adequar aos desafios da mudança e da incerteza, do futuro, para integrar o desígnio competitivo com o dever irrenunciável de solidariedade faz apelo a uma simbiose complexa de aprendizagens novas e antigas.
Aprender a viver juntos, aprender a aprender juntos e aprender a crescer juntos, compreende um ideário educativo tão ambicioso quanto essencial, sobretudo quando cotejados nas três trilogias de valores constitutivos propostos para reflexão e elaboração subsequentes. Partindo da solidariedade para chegar à excelência encontra-se contida uma proposta de trajetória que visa encontrar um justo equilíbrio entre humanidade e competição, entre tradição e modernidade, entre cultura de convivência e cultura de trabalho.
Esta teoria geral da educação aponta para aquilo que alguns autores designam por um "Novo Profissionalismo" (Lutz, 1994) que valoriza competências metacognitivas e horizontais de eficácia alargada e resistente à usura quer do tempo, quer da mudança acelerada. As prioridades educativas passam a situar-se, no foro da construção de competências:
- Comunicacionais; - relacionais; - criativas; - tecnológicas; - negociais; - estéticas; - éticas; - comunitárias; - de cidadania.
A capacitação para a elaboração de raciocínios por possibilidades alternativas, na constante formulação de hipóteses inovadoras como resultado da recusa das soluções únicas, monoliticamente impostas, assim como a habilitação para o exercício continuado de uma aprendizagem independente, decorrente de uma permanente avaliação pessoal de insuficiências, são ingredientes ativos desse novo profissionalismo.
Pela ponderada assimilação destas capacidades de ordem superior, na aceção de L. Resnick, a educação estaria a contribuir ativamente para a emergência de uma nova renascença produzida na intersecção da tecnologia e das artes, da economia e do humanismo, da eficácia e dos valores universais, das ciências "duras" e "moles", da razão e do mistério.

8. AS TRÊS SOCIEDADES DO FUTURO
Nesta deambulação pelos meandros do futuro somos tentados a vislumbrar uma sociedade multifacetada e pluridimensional sustentada em três pilares.
Primeiro, a Sociedade do Risco, que premeia o gosto do desconhecido ao invés do conforto do conhecido – a repristinação do "espírito de quinhentos" na memória coletiva lusa –, a inovação de procedimentos e a capacidade de atuação estratégica. Nesta cultura prospectiva o espírito empreendedor sobreleva a mentalidade de assalariado, onde as formas de trabalho flexíveis e precárias pressupõem um modelo de educação menos tutelado e mais autónomo, menos homogéneo e mais diverso e plural.
Em segundo lugar, uma Sociedade Ativa como nova utopia do século XXI onde todos tenham direito a uma atividade e à participação nas tarefas de desenvolvimento da comunidade. Num universo sem exclusão, o Homo Faber coabita com o Homo Ludens através de uma harmoniosa integração entre os três tempos de Becker que formam o todo de uma vida: tempo de investimento (formação), tempo de produção e tempo de lazer.
Por último, uma Sociedade Educativa, a caminho de uma ordem mundial dominada pelo paradigma humano ou da capitalização cultural, ao invés da omnisciência económica. Nesta ordem, todos os atos da comunidade humana e as suas organizações são perpassados de inteligibilidade educativa. A economia está interditada de funcionar contra a sociedade, o mercado está impedido de ferir a dignidade humana, a atividade produtiva deixa de dividir as pessoas entre ricas e pobres. A escola funciona como fulcro da formação de redes comunitárias abrangentes (uma espécie de Internet social) e de pontos de apoio a partenariados e estratégias alargadas de desenvolvimento humano – por alternâncias e transições múltiplas com entradas e saídas flexíveis entre tempos de investimento e de produção –, o professor é essencialmente um agente cultural de mudança e facilitador/integrador de aprendizagens assistidas e independentes e o sistema educativo concilia a educação básica de qualidade para todos, a equidade e a igualdade de oportunidades, a justiça social, e o processo indispensável de formação e renovação de elites culturais pela multiplicação dos centros de excelência nos mais variados sectores de pensamento de fronteira.
Nesta verdadeira Sociedade de Sociedades, o processo educativo é restituído à sua dimensão comunitária. A autonomia dos centros educativos e o pluralismo pedagógico são definitivamente resgatados do autoritarismo burocrático de Estado, cedendo a um modelo horizontal de organização das políticas sociais. Este modelo, participativo, autonómico e emancipativo, opõe-se às conceções hegemónicas de Estado – assente na oferta vertical e não integrada de serviços – assim como à conceção redutora de mercado – inspirada na desregulação não integrativa e na consequente segmentação de grupos sociais.
A horizontalização das políticas sociais brota da correta definição de um Estado de Direito, da efetivação do princípio da subsidiariedade, da estimulação de comunidades fortes, do respeito pela sua legítima soberania – dentro de um corpus partilhado de coesão social – e da devolução efetiva de competências e de meios para a sua autodeterminação.


9. A ADAPTABILIDADE COMO ACTIVO HUMANO FUNDAMENTAL
Em conclusão, uma sociedade prefigurada prefere as políticas de desenvolvimento humano às medidas de emprego, numa visão de educação e de atividade (trabalho) como bens públicos e não meros bens privativos.
Nesta alteração de paradigma a adaptabilidade e a flexibilidade passam a ser mais relevantes do que o conceito unilinear de empregabilidade que dominou a filosofia educativa do último quartel do século XX.
A adaptabilidade mais não é do que a resultante da combinação sinérgica dos três grandes componentes que emergem como os pontos de aplicação privilegiada de uma estratégia prospetiva de investimento humano: educabilidade, criatividade e eticidade.
Neste pressuposto, o desenho da política educativa não surge como impulso iluminado do topo da hierarquia político-burocrática. Antes, é o reflexo de um consenso alargado e dinâmico que brota da negociação social necessária em contexto democrático. Tornam-se inviáveis os modelos de governação autoritários, desinteressados da partilha da vontade nacional e de comunidades atuantes. A construção de políticas públicas consistentes, percetíveis e viáveis permite dotar as Sociedades de estabilidade real de estratégias educativas – no longo prazo –  subtraindo-as à erosão do circunstancialismo eleitoral ou da arbitrariedade conjuntural. A estabilidade das políticas públicas surge, mais relevante do que era a mera estabilidade/continuidade formal de maioria política, a qual nem sempre se revela consentânea com a garantia daquele requisito fundamental.


Quadro XI

Os valores e as aprendizagens matriciais

OS VALORES

AS APRENDIZAGENS
Solidariedade
Tolerância
 Coesão


Aprender a Viver Juntos
Partilha/Comunicação Gratuitidade Descoberta/Participação


Aprender a Aprender Juntos
Liberdade
Iniciativa
 Excelência

Aprender a Crescer Juntos


Quadro XII

Escola                                     Educação

Empregabilidade                   Adaptabilidade
     
Sistema Económico              Sociedade Ativa


AS TRÊS DIMENSÕES DA ADAPTABILIDADE:
EDUCABILIDADE + CRIATIVIDADE + ETICIDADE